25 de janeiro de 2010

DOM JOSE

Plano da pastoral carcerária





Considerando que o homem que chega à prisão é um ser que durante a infância e adolescência nutriu-se unicamente com a violência e impotência social, imposta por uma família desagregada e ausente face aos quadros econômicos vigentes de uma sociedade com prometida com o sistema opressivo e competitivo capitalista;

Considerando que o homem preso e um ser profundamente carente de afeto, amor e aceitação, que jamais teve um sentimento de pertença a um grupo social; que ignorou e não participou de nenhum processo socialízador; que viveu à margem de todo processo educativo; e que. Portanto, desconhece o valor de sua pessoa como criatu­ra única e irrepetível, conseqüência do amor “infinito e preferencial de Deus”;

Considerando que o preso, dentro deste quadro, é condenado a viver a realidade de sua existência como pária, órfão de tudo e de todos; é condenado a viver uma solidão, indescritíveis sofrimentos, a identificação e opressão de uma sociedade de cativos, asfixiante e intolerante; é condenado a freqüentar a escola do crime" e nela se licenciar;

Considerando que a vida do delinqüente se lhe apresenta como uma causalidade que o condiciona a rodar e perambular pelo mundo, sem ter uma inserção social que o motive, nem uma razão transcendental que permita projetar-se para além das próprias limitações ou impostas;

Considerando que os que habitam as prisões provem, em sua maioria, de áreas marginalizadas, denominadas favelas de miséria, verdadeiros guetos que crescem na periferia das grandes cidades, com pessoas procedentes de regiões rurais mais pobres do país, nesta situação de extrema pobreza e penúria se entrelaçam fatores que desde a primeira infância vão denegrindo a existência humana: a fome, a alimentação deficiente, a promiscuidade, a inexistência ou desintegração da família, a carência de vestuário, as escassas ou nulas possibilidades de ter acesso aos níveis primários de educação, a falta total de uma formação que permita descobrir um papel protagonista no marco social e em muitos casos, a obrigação de mendigar nas ruas centrais da cidade. E assim, já antes de aprender a caminhar, já incorporam ao seu ser em formação, a falta de afeto e carinho, alimento substancial da infância e exercício primário e fundamental para a pratica do amor;

Considerando que o sistema penitenciário é movido e estruturado por uma política que prioriza a segurança e disciplina, ignorando a individualidade, a dignidade do preso, submetendo-o a "mortificações" que o despersonalizam e o coisificam;

Considerando que o sistema penitenciário nada faz para propiciar ao preso um tratamento que o leve a uma readaptação social, a redescobrir o sentido da própria vida, a operacionalizar suas potencialidades, a assumir e replanejar sua existência;

Considerando que o sistema penitenciário é uma instituição falida que alem de violentar o preso submetendo-o a uma iden­tificação com um grupo social criminágeno e aos interesses de lideranças comprometidas com o mundo do crime, ainda o sujeita a viver em condições físicas e psicológicas desumanizastes e não condizentes com a condição de um ser humano;

Considerando que o sistema penitenciário não propicia aos presos eficaz assistência à saúde, jurídica, psicológica, pe­dagógica e material, o deixa exposto às arbitrariedades de guardas despreparados para o efetivo exercício da profissão;

Considerando que a Igreja, em sua nova Evangelização quer, em meio a uma sociedade em situação de pecado, construir o reino de fraternidade, de amor, de solidariedade; em sua opção preferencial pelos pobres - e ninguém mais pobre que o preso pri­vado de tudo e isolado e segregado por todos, deseja levar aqueles que são objeto do amor misericordioso de Deus, uma mensagem de esperança, otimismo e fé;

Considerando que a Igreja professa que todo atropelo a dignidade da pessoa é atropelo a De us, de quem é imagem, imagem esta tão desfigurada sobretudo no semblante do preso, que entre os marginalizados e excluídos, é considerado desprezível e, de fato, ê desprezado pela família e pela sociedade;



Diante destes considerandos, a Pastoral Carcerária de João Pessoa se propõe a:

Levar a esses homens, objetos de um amor misericordioso e preferencial de Deus, uma mensagem de esperança, de otimismo e de fé.

Através da palavra e atitudes, dissolver os rancores, ódios e revoltas, que replenam a interioridade do preso, baixan­do assim os níveis de ansiedade e tensões que os martiriza e castiga.


Colaborar com o preso para uma reestruturação e replaneja­mento de sua vida única e irrepetível.
Auxiliar o preso no sentido de assumir o protagonismo existencial na sociedade, despertando nele sentimentos de fra­ternidade, solidariedade e amor oblativo.

Prestar ao preso uma ajuda, tanto no campo material quanto no campo psicológico, social e jurídico, colaborando com os técnicos da instituição responsáveis pela sua ressocia­lização.


Somar esforços com a instituição no sentido de reaproximar o preso ao seu grupo familiar, prestando assistência também à sua família.

Neutralizar a dependência psíquica do preso do grupo criminógeno dos cativos e da opressão pelo mesmo imposta, através do respeito a normas que constituem o código do preso.

Oferecer ao preso mecanismos práticos para imunizar-se dos malefícios próprios do ambiente carcerário, principalmente do processo inconsciente da prisionização.


Proporcionar uma assistência religiosa ao preso que o leve a redescobrir valores transcendentais em seu viver, senti­do da vida e esperança de uma reconstrução afetiva de seu projeto familiar profissional e social.

Fortalecer a vontade do preso para que tenha força para concretizar suas potencialidades, autovalorizar-se como também auto-realizar-se como ser humano, feito à imagem e semelhança de seu Criador.


Manter, através do diálogo e compreensão, um bom relacionamento tanto com as autoridades do estabelecimento penal quanto com e, sobretudo com os guardas e técnicos da insti­tuição.

Incentivar e motivar a iniciativa de horas semanais de oração pelos presos e familiares e funcionários do sistema em todas as paróquias.

Na medida do possível, prestar uma ajuda psicológica as famílias dos guardas prisionais.

Criar um serviço pastoral de acompanhamento e assistência is famílias dos presos, de modo especial àquelas que oferecem maior resistência em aceitar a situação do membro do grupo detido.

Dar um acompanhamento aos egressos e liberandos condicionais, auxiliando-os na procura de um emprego e assumindo temporariamente, a responsabilidade pelos mesmos junto às empresas que os contratam;

Propiciar encontros quinzenais dos egressos onde se efetivem avaliações que os auxiliem na motivação de vencer na vida, mesmo tendo errado.

Na concretização destes objetivos, seriam utilizadas as seguintes estratégias de ação e atuação:

Contacto individualizado com o preso. É de capital importância para o ser humano, ser ouvido, valorizado, sem que haja interrupções valorativas, condenações. Sobretudo em se tratando de presos, que vivem num grupo social contagi­ante e aliciante e que não lhes inspira e desperta nenhuma confiança e não propicia o surgimento de simpatias e amizades sinceras e duradouras. A carência de pessoas significativas no ambiente prisional os torna muito dependente de quem lhes oferece oportunidade de investir seus mais profundos e íntimos sentimentos. Por isso, o contacto personalizado, individual, e indispensável a qualquer trabalho de caráter terapêutico e pastoral.

Uma presença nos dias de visita dos familiares aos presos na visita conjugal, contatando todo o grupo familiar. Esta presença visa: detectar em que nível se encontra os laços afetivos familiares que asseguram uma coesão e solidez do grupo familiar. Pois o deterioramento destes níveis nos permite prognosticar uma segura reincidência, atestado da ineficácia do tratamento prisional. Também visa determinar quais os presos que não estão recebendo visita familiar, e assim oferecer trabalho, no sen­tido de buscar na família as causas do afrouxamento da coesão grupal.
Detectar possíveis carências da instituição na sua meta de oferecer ao preso aquelas assistências determinadas pela Lei de Execução Penal. Estas constatações seriam levadas ao conhecimento da administração da casa, depois de terem sido denunciadas aos setores responsáveis pela assistência, na instituição.
Organizar festinhas por ocasião de datas especiais e de tradição, com o objetivo de uma melhora do clima e atmos­fera do ambiente prisional e propício ao relaxamento de tensões, conflitos e animosidades próprias do meio carcereiro. Para estes congraçamentos, é mister, a participação e presença, não apenas dos agentes de pastoral como também da administração, de técnicos e pessoal de segurança.

Como a pastoral carcerária e um órgão de ajuda e fiscali­zador do aparelho penitenciário do Estado, a presença dos agentes de pastoral não deve ser vista como intromissão. Não deseja dividir, mas tão somente somar forças a fim de tornar a vida do preso menos desumana, menos mortificante, menos desestruturante. E para alcançar tais objetivos semestralmente haverá uma reunião dos membros da pastoral com a administração e técnicos do estabelecimento uma hetero e auto-avaliação.
f. Ainda que não seja da competência da pastoral carcerária prestar ajuda material aos presos, pois isto ê da competência do Estado, em principio, se não pode dar esta assistência material não se lhe pode atribuir competência de manter em privação de liberdade pessoas, a pastoral pretende. com o objetivo de minorar as condições de carência do preso e carências financeiras do sistema, ajudar tanto quanto possível a instituição. E assim estará a pastoral trabalhando em colaboração com o Conselho Comunitário, em colaboração e não dependência ou subordinação uma vez que o Conselho da Comunidade não é um órgão fis­calizador e controlador do sistema prisional;
g. A pastoral carcerária fará semanalmente, uma avaliação deste plano em suas reuniões. Esta será enriquecida pela hetero avaliação semestral referida no item 05.

Na condição de Arcebispo da Paraíba, aprovo o presente Plano da Pastoral Carcerária, enviando cópias às Autoridades competentes, bem como aos Agentes de Pastoral desta Arquidiocese.





João Pessoa, 12 de setembro de 1994.

José Maria Pires
Arcebispo da Paraíba