5 de março de 2011

Roger

Massacres e tragédias no Roger

Um dos maiores presídios do estado enfrenta uma das situações mais críticas em toda sua história

Priscylla Meira // priscyllameira.pb@dabr.com.br

Edição de domingo, 26 de dezembro de 2010

jornal O Norte

Um espaço de 10 mil metros quadrados e uma história de quase 60 anos, que revelam e escondem relatos de vida de milhares de apenados, agentes penitenciários, chefes de disciplinas, diretores e policiais militares, que protagonizaram rebeliões e chacinas e construíram a história da unidade prisional mais conhecida da Paraíba. Entre os muros do Presídio Modelo Desembargador Flóscolo da Nóbrega, popularmente conhecido como Presídio do Roger, não se apagam as marcas dos massacres que roubaram dezenas de vidas e deixaram sequelas em tantas outras que conseguiram sobreviver à dura realidade daquela que é considerada unidade prisional mais precária do estado.
Mais de 900 detentos estão recolhidos no Presídio do Roger. Muitos deles ainda não foram julgado pela justiça Foto: Rafaela Tabosa/D.A Press

Um cenário de tragédias anunciadas, que nos últimos 15 anos foi palco para três grandes massacres. Um sistema que a cada dia destrói a oportunidade de ressocialização de centenas de homens, que lá entram para pagar por um crime, mas são reinseridos na sociedade com uma bagagem criminal ainda maior. Atualmente, são924 detentos que dividem um espaço projetado para apenas 400 apenados. As 54 celas, que deveriam abrigar até cinco presos, ficam abarrotadas com uma média de 17 pessoas por unidade.
À falta de espaço, se somam a estrutura precária dos seis pavilhões, com esgotos a céu aberto, acúmulo de lixo, ratos, baratas e moscas circulando pelas celas e presos que se revezam para espantar os bichos peçonhentos. Se a imagem da realidade no Presídio do Roger assusta, o odor que circula pelos corredores e celas de cada pavilhão também chega a ser insuportável e o panorama de precariedade não apenas dificulta o processo de ressocialização, como provoca entre detentos um estímulo à prática da criminalidade, fazendo como que a unidade prisional se torne uma bomba que a qualquer momento pode explodir.
Fagulhas desta explosão de irregularidades e desrespeito à dignidade humana foram lançadas no último domingo, quando um grupo de apenados amarraram e mantiveram dois detentos pendurados durante a noite. No dia seguinte, eles tiveram as línguas e cabeças arrancadas e os corpos perfurados com vários golpes de facas e espetos. Três presos que testemunharam a tortura e não eram considerados de confiança entre o grupo executor também foram amarrados e pagaram com a vida pelo que viram acontecer dentro da unidade que deveria garantir a segurança e integridade física dos apenados. Por terem "ouvido demais", os detentos tiveram as orelhas arrancadas a facadas, antes de também serem o corpo todo perfurado com armas confeccionadas que facilmente chegam às mãos ou que são feitas artesanalmente pelos presos.
A chacina só foi descoberta no final do horário de visita familiar, quando o presídio estava lotado de mães e pais de apenados, crianças e mulheres grávidas. Os baldes de água jogados no chão e o rastro de sangue que deixou o líquido com uma coloração vermelha chamaram a atenção da direção do presídio, que já havia sido alertada pelas mães que dois detentos haviam desaparecido. O estopim para o massacre dos cinco apenas teria acontecido apósa descoberta de um túnel, que estava sendo cavado para a fuga de pelo menos 200 presos, mas detentos que acompanharam o fato alegam que as vítimas da chacina não seriam os verdadeiros responsáveis por repassar as informações sobre o plano de fuga à direção do presídio.
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Cinco mortos e mais de 40 feridos

 
Ainda são vivas na memória dos paraibanos as cenas da rebelião e incêndio provocados pelos detentos do pavilhão 3 do Presídio do Roger, na manhã do dia 23 de outro do ano passado. Enquanto todas as equipes do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) se empenhavam para tentar salvar a vida de 59 detentos que ficaram gravemente feridos durante o incêndio e os resgatavam para o Hospital de Emergência e Trauma da capital, a população acompanhava pela cerca do presídio e pelos próximos dias, através das imagens nos jornais, na TV e portais de notícia, a falta de valorização à vida humana e confirmava a fragilidade do Presídio do Roger.

As sequelas daquela manhã de quinta-feira deixaram cinco mortos e 41 feridos, mas o saldo negativo de óbitos foi crescendo nos dias seguintes e, no total, 15 apenados não resistiram às queimaduras do incêndio provocado a partir da queima de colchões e morreram. Naqueles que foram atingidos pelas chamas da rebelião, mas conseguiram sobreviver, as marcas não ficaram apenas na lembrança. Durante uma inspeção realizada pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão da Paraíba (CEDDHC) no último mês, o procurador da República, Duciran Farena, encontrou vários detentos que ficaram mutilados em decorrência da maior tragédia registrada no presídio esta década. "Os casos mais graves são de detentos que perderam nariz e orelhas e ficaram com o rosto completamente deformado", relatou o presidente do conselho, que recomendou ao governo da Paraíba que providenciasse imediatamente cirurgia plástica para os detentos que ficaram com sequelas do incêndio do Róger.
Em julho de 1997, oito internos da Penitenciária do Roger foram mortos brutalmente após uma tentativa de fuga fracassada. Mas, naquela ocasião, os executores foram policiais militares, que invadiram o presídio enquanto os apenados mantinham reféns o então diretor da unidade, Givaldo Farias do Nascimento, agentes penitenciários e alguns apenados que auxiliavam na administração da unidade.Os reféns eram a todo instante eram ameaçados de morte e a direção ainda negociava com os captores quando 13 policiais militares invadiram o prédio e alvejaram oito detentos, enquanto os reféns fugiam do local.
O massacre não cessou com a atitude dos policiais. Presos que eram considerados "de confiança" no presídio e alguns agentes penitenciários assumiram o controle da chacina e com facas, espetos nas mãos trucidaram os detentos que já haviam sido feridos, fazendo com que o episódio fosse considerado uma chacina com todos os requisitos de crueldade e insânia. Nos três meses que se seguiram após a chacina, outros 11 apenados morreram no Presídio do Roger e cerca de 90 detentos ficaram feridos durante um motim. Doze anos após o massacre de 1997, todos os policiais miliatares envolvidos no episódio foram absolvidos pelo 1º Tribunal do Júri, no Fórum Criminal de João Pessoa, sob alegação de falta de provas para a acusação.

Saiba mais sobre o Presídio do Roger

 
l É considerado um presídio de segurança máxima;

 
l O Presídio do Roger tem capacidade para abrigar 400 detentos. Atualmente, 924 pessoas estão presos na unidade;

 
l A unidade prisional foi construída numa área de 10 mil metros quadrados e possui seis pavilhões e 54 celas;

 
l O presídio possui setor odontológico, setor social e psicológico, Defensoria Pública e sala de audiência, mas, de acordo com o relatório confeccionado pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos do Homem e do Cidadão da Paraíba (CEDDHC), em novembro deste ano, estes serviços não estão funcionando plenamente na unidade.