29 de março de 2015

TRAVESSIA

Sempre em Travessia.



Depois da partilha dos pães, Mateus 14,13-21, Jesus mandou os discípulos entrassem na barca e seguissem para o outro lado do mar enquanto ele despedisse as multidões. Mateus 14,22.
Aquela travessia para aqueles experientes pescadores, como Pedro, teve um alto preço por causa da tempestade provocada pelo vento contrário. É noite, uma barca certamente muito frágil, total insegurança e a ordem de Jesus para seguirem viagem.
Esta cena não é estranha para nós agentes de pastoral carcerária pelo Brasil afora. O nosso sistema carcerário se constitui de um mar sempre muito agitado, de ondas gigantes: Carandiru, Pedrinhas, Roger, só para citar três nomes que se destacam. De experiências de mar agitado nós, agentes, presentes em todo Brasil entendemos  bem. Quando aquela prisão está aparentemente tranquila é sinal de que algo pode acontecer. Somos até avisados com antecedência de que a realidade vai se agravar.
Como pastoral vamos seguindo também no nosso barco entre ondas às vezes muito altas e outros momentos mais amenas, porem, sempre presentes.
Os discípulos estavam tão desesperados que não foram capazes de reconhecer o mestre e, além do modo da tempestade, se sentiram diante de um fantasma. Só diante da palavra e da presença do Senhor na barca foi que reinou a tranquilidade. Também nós, agentes de pastoral podemos ter essa sensação de que estamos sós, mas se trata apenas de uma vaga impressão, pois, mesmo sem perceber, o Senhor está presente no nossa barca e sempre vindo ao nosso encontro e nos dizendo, vem, como disse a Pedro para ir ao seu encontro. Ele nos garantiu permanecer conosco até o fim dos tempos. Nossa pastoral acontece sempre através de pequenas equipes e Ele também nos garantiu que onde duas ou três pessoas estiverem reunidas em nome Dele Ele se fará presente. Assim, por mais atribulado que esteja o mar, precisamos estar nele porque nele também está o Senhor conosco.
De fundamental importância para a nossa atividade pastoral é também a figura do profeta Elias, condenado à morte depois da derrota de Baal, no primeiro livro dos Reis 18,36-40. A situação se tornou tão desesperadora para ele que o mesmo também desejou a própria morte.  As situações desesperadoras da nossa pastoral são muitas dentro do sistema carcerário repressor. Desânimo e desencanto também fazem parte da nossa vida de agentes, mas Deus se manifesta hoje como se manifestou a Elias.
Elias é orientado a ficar numa gruta lá no Monte Horeb, o Monte de Deus onde passou a noite. Toda pessoa cristã precisa desse recolhimento, em pleno silêncio. Como estamos vivendo essa experiência do silencio em nossa vida de agentes de pastoral? Onde fica a nossa gruta? Talvez estejamos totalmente tomados pela cultura do barulho que ao invés dele a nos incomodar seja o silêncio que nos incomode.
Elias é convidado para um encontro com Deus na entrada da gruta. Ele o espera em meio aos barulhos das rochas, entre labaredas, mas só consegue fazer o encontro com Deus em uma brisa tão suave que ele quase não consegue ouvir, apenas sentir.
Essas duas imagens da barca e do Monte de Deus devem nos falar muito. Jesus chega à barca sacudida pelo vento da forma mais serena; Deus chega à vida atribulada de Elias também da forma mais leve e suave.
Só podemos ser agentes de pastoral carcerária capazes de uma grande compaixão para com todas as pessoas merecedoras dela se formos capazes de uma grande comunhão com o Senhor em tudo aquilo que estivermos realizando a dupla dimensão:
Discipulado-missão; missão-discipulado.

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