29 de março de 2015

DESCENDO AOS POROES SOCIAIS

Descendo aos porões sociais

 A realidade prisional no Brasil nunca foi tão grave como em nossos dias. Constata-se uma superpopulação encarcerada em todos os estados do Brasil. Em alguns estados – como em São Paulo, por exemplo - existe o encarceramento em massa. O país não tem tido a devida preocupação com a realidade carcerária e suas implicações para a sociedade e a segurança pública. Os limitados espaços físicos das prisões se tornaram ambientes insuportáveis para a convivência, propícios a atos e violência entre os detidos ou praticados pelo Estado. A chamada reinserção, ou ressocialização, não passa de um discurso vazio dos governantes.
Uma nova escravidão
O tratamento é cruel, desumano e degradante. A prisão parece ser uma nova forma de escravidão e de morte. Faz-se necessário dizer que o indivíduo preso também é gente, tanto quanto era preciso afirmar, na época da escravidão, que o negro é gente. O Brasil assinou tratados internacionais sobre o problema, mas tem o vício de descumpri-los.
A comunidade carcerária é composta de jovens pobres, provenientes das periferias de nossas cidades. Em geral vitimados pelas drogas, inúmeros dentre eles são punidos por serem dependentes químicos que, para manter o vício, haviam cometido algum crime de bagatela. Uma vez detidos, superlotam as prisões sem direito à defesa.

Vítimas, sempre
As Defensorias Públicas não chegam e, onde existem, funcionam de forma precária, pois os detentos não podem pagar um bom advogado. As Varas de Execução estão abarrotadas de processos e o detento fica à mercê de um processo que não anda; por isso, quem está confinado na prisão passa também a ser vítima de muitas injustiças de natureza legal.
A expectativa principal da pessoa presa é sair da prisão, retornar para a família e conseguir um trabalho para sobreviver. Mas incontáveis são os que já não têm vínculos familiares. Assim, esse desejo raramente se materializa, pois as oportunidades reais são remotas. Por isso, a reincidência no crime é tão alta no país. Para muitos egressos a liberdade pode ser sinônima de morte, devido aos antigos desafetos. Poucos conseguem sobreviver e retomar a vida. O próprio Estado não os acompanha no processo de inclusão social, como também dele se omite a própria sociedade.

“Eu estava preso e fostes me visitar”
A Pastoral Carcerária atua em todos os estados do Brasil. Em cada estado, ela tem a própria organização a partir de coordenações locais. Conta também com o apoio de uma coordenação nacional.
O trabalho obedece ao que Jesus disse: “Eu estava preso e fostes me visitar” (Mt 25, 36). Esta expressão é o grande fundamento da nossa ação pastoral nas prisões. A visita é sempre um momento para escutar quem não é ouvido, a não ser por familiares. Mas muitos entre eles e elas não recebem visita familiar. Portanto, a visita da Pastoral Carcerária é sempre muito esperada e desejada pelos confinados exatamente por ser a oportunidade de um contato humano. Cada unidade prisional mantém atividades durante a visita da pastoral, como atendimento individual, grupos de reflexão, celebrações eucarísticas, etc.

Ele e ela também estão na prisão
Definimos a Pastoral Carcerária como sendo a presença da Igreja no mundo do cárcere. Uma presença cada vez mais necessária na difícil realidade prisional. Uma presença gratuita e solidária. Vamos ao encontro de Jesus que lá também se encontra preso. Como o ressuscitado é o que foi crucificado, Jesus é sempre o mesmo: doente, preso, estrangeiro, faminto, sedento. Vamos ao seu encontro nas prisões mundo afora.

Pedras no caminho
Enquanto pastoral, deparamo-nos com bloqueios. Ainda perdura a mentalidade, por parte do Estado, de ser o “dono” dos encarcerados e, por isso, no “direito” de mantê-los segregados, afastados do convívio social. Nessa perspectiva, por vezes a autoridade tenta impedir o acesso dos grupos de pastoral, colocando-lhes obstáculos, com a alegação de que “é perigoso fazer a visita”. Temos lutado contra este e outros obstáculos, para que seja garantido o direito legal à assistência religiosa, direito que não pode ser impedido.

Utopia?
Bom seria se tivéssemos um mundo sem prisões. Enquanto isso não acontecer, continuamos a lutar para que a pessoa presa possa ser tratada com dignidade e que se diminua continuamente a população confinada. Esperamos que os pobres não sejam cada vez mais criminalizados, como de fato são. Não existe uma séria política para a inclusão social, mas há uma clara política para o encarceramento. Esperamos que a Lei de Execução Penal possa ser realmente aplicada no país.
Nossa esperança é que cada pessoa possa cumprir a sua pena de forma justa. E que as penas alternativas e as alternativas penais sejam colocadas em prática, para que se possa reduzir o imenso número de pessoas reclusas.

Bons ventos
A atuação da pastoral carcerária vem influenciando positivamente nas iniciativas para a melhoria do sistema penitenciário no país. No diálogo com órgãos federais ligados ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça, vemos mudanças a respeito da Assistência Religiosa, do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, das Ouvidorias para o Sistema Penitenciário de cada Estado, como também percebemos um grande movimento nacional contra a prática da revista vexatória de familiares, sobretudo em mulheres, tratadas com total desrespeito, criminalizadas, despidas, obrigadas a se agacharem em um espelho, como condição para visitar familiares.
Junto com as famílias dos detidos, a Pastoral Carcerária é o único grupo que tem esse amplo conhecimento da realidade carcerária. Portanto, muito contribui no âmbito nacional para as melhorias do sistema prisional do Brasil.