11 de setembro de 2015

DIRETRIZES

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 53ª Assembleia Geral Aparecida – SP.
15 a 24 de abril de 2015

OBJETIVO GERAL
EVANGELIZAR, a partir de Jesus Cristo e na força do Espírito Santo, como Igreja discípula, missionária e protica, alimentada pela Palavra de Deus e pela Eucaristia, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para que todos tenham vida, rumo ao Reino definitivo.
INTRODUÇÃO
A CNBB, com as presentes Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora (DGAE) – 2015-2019, prossegue a sua história de promoção da pastoral orgânica de conjunto no Brasil.
Na sua Assembleia Ordinária de 2014, a CNBB decidiu dar continuidade às Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora 2011-2015, atualizando-as à luz da Exortação apostólica do Papa Francisco sobre a alegria do Evangelho. A continuidade foi motivada pela necessidade de dar prosseguimento ao processo de aplicação do Documento de Aparecida, que é a principal referência das Diretrizes 2011-2015. O renovado empenho missionário que a Conferência de Aparecida nos pede e o amplo processo de “conversão pastoral” que ela propõe, estão em pleno curso. Além disso, a revisão das DGAE à luz da Alegria do Evangelho mostrou-se igualmente necessária. O Papa Francisco apresentou a sua Exortação indicando caminhos para o percurso da a Igreja nos próximos anos e convocou toda a Igreja a “avançar no caminho da conversão pastoral e missionária”, a “não deixar as coisas como estão” e a se “constituir em estado permanente de missão”. A recepção da carta do Papa Francisco pela Igreja no Brasil reforça e aprofunda as grandes opções da Conferência de Aparecida assumidas pela CNBB, em suas diretrizes para ação evangelizadora. A celebração do Ano Santo da Misericórdia (08/12/15 a 20/11/16) nos convidam a prosseguir no caminho da renovação pastoral, no contexto de uma nova evangelização, com novo ardor missionário e criatividade pastoral.
Com renovada consciência de que a evangelização continuamente parte da contemplação de Jesus Cristo presente em sua Igreja e se desenvolve em diálogo com os contextos em que se realizam, estas Diretrizes são oferecidas a todas as Igrejas particulares do Brasil e demais organismos eclesiais. Que elas possam contribuir para que a “alegria do Evangelho” renove profundamente nossas comunidades e anime continuamente nosso entusiasmo missionário.
CAPÍTULO I
PARTIR DE JESUS CRISTO
1 – A Igreja vive de Cristo
Jesus Cristo é a fonte de tudo o que a Igreja é e de tudo o que ela crê. Em sua missão evangelizadora, ela não comunica a si mesma, mas o Evangelho, a palavra e a presença transformadora de Jesus Cristo, na realidade em que se encontra. Ela é a comunidade dos discípulos missionários, que respondem permanentemente à pergunta decisiva: quem é Jesus Cristo? (Mc 8,27-29). O fundamento do discipulado missionário é a contemplação de Jesus Cristo. Como afirma o Papa Francisco, “a melhor motivação para se decidir comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, é deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração”. Na comunhão eclesial, eles experimentam o fascínio que faz arder seus corações (Lc 24,32), e os leva a tudo deixar (Lc 5,8-11) e a viver um amor incondicional a Ele (Jo 21,9-17). A paixão por Jesus Cristo os leva à verdadeira conversão pessoal e pastoral (Lc 24,47; At 2,36ss).
A Igreja, fiel a Jesus Cristo, coloca-se a serviço do Reino de Deus. Os evangelhos apresentam o Reino como o centro da vida e da pregação de Jesus. “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede no Evangelho” (Mc 1,15). Afirmar que o Reino de Deus está próximo é anunciar que Deus mesmo está próximo. Seu reinado significa sua atuação salvadora e sua proximidade paterna e misericordiosa para com todos, especialmente para com os pobres, marginalizados e sofredores de todo tipo. Por isso, a pregação e a conduta de Jesus suscitaram surpresa, fascínio e entusiasmo, mas despertaram também suspeitas, fechamento, escândalo e ódio. O Reino de Deus não é apenas a mensagem de Jesus. Ele mesmo é a chegada desse Reino. Sua mensagem e sua pessoa são inseparáveis. Nele, o Reino é dado gratuitamente (Mt 21,34; Lc 12,32), é deixado em herança (Mt 25,34; Lc 22,29). Cabe ao discípulo acolhe-lo por meio da conversão e da  (Mc 1,15). Como afirma o Papa Francisco, “o primado é sempre de Deus”, “a verdadeira novidade é aquela que o próprio Deus misteriosamente quer produzir”, “a iniciativa pertence a Deus”.
Neste sentido, a Igreja no Brasil se alegra com a proclamação do Ano Santo da Misericórdia. “Na Sagrada Escritura […] a misericórdia é a palavra-chave para indicar o agir de Deus para conosco. Ele não se limita a afirmar o seu amor, mas torna-o visível e palpável” em seu Filho Jesus, que é “o rosto da misericórdia do Pai”. Por isso, “a Igreja tem a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de cada pessoa”, especialmente atenta “àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais”.
A experiência do encontro transformador com Jesus Cristo insere seus discípulos na comunhão com a Santíssima Trindade e lhes comunica a missão de anunciar o Reino de Deus, com palavras e sinais. A Igreja existe no mundo como obra das três Pessoas divinas, é povo de Deus (em relação ao Pai), corpo e esposa de Cristo (em relação ao Filho) e templo vivo (em relação ao Espírito Santo). Ela é “o povo unido pela unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo”. Como comunhão (koinonia) divino-humana ela “constitui na terra o germe e o início do Reino”, pois Jesus a iniciou “pregando a boa nova, que é a chegada do Reino de Deus. E, desse modo, ela é no mundo sacramento de salvação, como afirmou o Concílio Vaticano II: Jesus Cristo, “ao ressuscitar dentre os mortos (Rm 6,9), comunicou seu Espírito vivificante, por meio do qual constituiu seu corpo, que é a Igreja, como sacramento universal de salvação”.

2 – Igreja: lugar de encontro com Jesus Cristo
É na comunhão eclesial que o discípulo missionário, ao contemplar Jesus Cristo, descobre o Verbo que arma sua tenda entre nós, o Filho único do Pai, cheio de amor e fidelidade (Jo 1,14); aquele que, sendo rico, se fez pobre para a todos enriquecer (2Cor 8,9), sendo de condição divina, não se fecha em si mesmo, mas se esvazia até a morte e morte de cruz (Fl 2,5ss) e não tem sequer onde reclinar a cabeça (Mt 8,20). Ele está sempre a caminho para anunciar o Reino, a graça, a justiça e a reconciliação (Lc 4,43). Ele se preocupa com as ovelhas que não fazem parte do rebanho (Jo 10,16), mesmo que seja uma única ovelha perdida, sofrida (Lc 15,4-7), para reanimá-las diante da dor e da desesperança (Lc 24,13-35). Deus se comunica conosco por meio de sua Palavra que éJesus Cristo, Verbo feito carne. É este mesmo Jesus que virá, um dia, em sua glória, para julgar os vivos e os mortos (Mt 25,31-46).
O encontro com Jesus enche a vida de alegria, convida à conversão e ao discipulado missionário. “No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo”. Por sua vez, este encontro é mediado pela ação da Igreja, que se concretiza em cada tempo e lugar, de acordo com o jeito de ser de cada povo, de cada cultura. A descoberta do amor de Deus manifestado em Jesus Cristo, dom salvífico para toda a humanidade, não acontece sem a mediação dos outros (Rm 10,14). “Aqui está a fonte da ação evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?”. “A primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, a experiência de sermos salvos por Ele, que nos impele a amá-lo cada vez mais”.
“A  não nasce de uma decisão pessoal, mas de um encontro com uma pessoa” (Bento XVI, Discurso inaugural de Aparecida, 315). E por ser encontro pessoal é também “decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este ‘estar com Ele’ introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita”. Devido ao respeito pelo interlocutor e pela liberdade que o ato de  exige, é que este diálogo  e razão é necessário. Ele se faz ainda mais urgente no contexto da nova evangelização, desafiado por “sentimentalismos efêmeros e emocionalismo insaciável”.

3 –Atitudes fundamentais do discípulo missionário
O discípulo missionário encontra nas atitudes de alteridade gratuidade as marcas que configuram sua vida à de Jesus Cristo, que, “sendo rico, se fez pobre para nos enriquecer com sua graça” (2Cor 8,9) e que veio “para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mt 20,28). Aí se encontram a fonte de duas atitudes fundamentais. Alteridade se fundamenta na encarnação e se refere ao outro, ao próximo, àquele que, em Jesus Cristo, é meu irmão ou minha irmã, mesmo estando do outro lado do planeta. As diferenças convidam ao respeito mútuo, ao encontro, ao diálogo, à partilha e ao intercâmbio de vida e à solidariedade. O cristão vive a gratuidade, que encontra no mistério pascal sua máxima expressão e sua fonte permanente. A vida só se ganha na entrega, na doação. “Quem quiser perder a sua vida por causa de mim a encontrará!” (Mt 10,39). Gratuidade significa amar, em Jesus Cristo, o irmão e a irmã, respondendo, através de atitudes fraternas e solidárias, a grande questão: “quem é o meu próximo?” (Lc 10,29), querendo e fazendo bem ao outro sem nada esperar em troca. Ainda mais, Jesus se declara presente nos sofredores e, o que é feito ou negado a eles, declara feito ou negado a Si mesmo, fazendo do amor-serviço o critério do julgamento (Mt 25,31-46). Com essas atitudes, corta-se a raiz mais profunda da violência, da exclusão, da exploração e de toda discórdia.
Com as atitudes de gratuidade e alteridade, expressões do Amor, os discípulos missionários promovem justiça, paz, reconciliação e fraternidade. Desse modo, oferecem à sociedade atual o testemunho do perdão e da reconciliação (Lc 23,34), que devem ser incessantemente testemunhados e transmitidos (Mt 18,21-22) em um contexto de crescente violência. A radicalidade do amor de Deus atinge sua extrema manifestação no amor aos inimigos. A reconciliação supera toda divisão que nos afasta de Deus e nos separa uns dos outros. Os discípulos missionários, ao contemplar o Crucificado Ressuscitado reconhecem que a loucura e o escândalo (1Cor 1,18.21) do Reino de Deus chegam a seu ápice na reconciliação (Rm 5,6-8; Lc 23,34). Diante de graves situações que fazem os irmãos sofrerem, os discípulos se enchem de compaixão, clamam por justiça e paz e sabem que só se vence o mal com o bem (Rm 12,17-21). Motivados pela atitude de constante ida ao encontro do outro, contemplam a realidade, encarnando-se nela, discernindo os sinais do Reino de Deus e trabalhando para que ele cresça cada vez mais.

4 – A Igreja “em saída”
Ser verdadeiro discípulo missionário exige o vínculo efetivo e afetivo com a comunidade dos que descobriram fascínio pelo mesmo Senhor. Ele sabe que exerce sua missão na Igreja, “em saída”. “Naquele ‘ide’ de Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos somos chamados a esta nova ‘saída’ missionária”. O papa Francisco afirma: “prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças. Por isso ela sabe ir à frente, tomar a iniciativa sem medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo inesgotável de oferecer misericórdia”. A saída exige “prudência e audácia”, “coragem” e “ousadia”.
A Igreja, “Mãe de coração aberto”, “casa aberta do Pai”, conclama a todos para reunir-se na fraternidade, acolher a Palavra, celebrar os sacramentos e sair em missão, no testemunho, na solidariedade e no claro anúncio da pessoa e da mensagem de Jesus Cristo. Na Igreja, o fiel encontra a força de uma união que ultrapassa raças, condições econômico-sociais, preconceitos, discriminações (Gl 3,28). A unidade de todos, em meio à diversidade de dons, serviços, carismas e ministérios, testemunha o amor trinitário do Pai, pelo Filho, no Espírito.
Viver o encontro com Jesus Cristo implica necessariamente amor, gratuidade, alteridade, unidade, eclesialidade, fidelidade, perdão e reconciliação. Torna o o cristão firmemente enraizado e edificado em Jesus Cristo (Ef 3,17; Cl 2,7), à semelhança da casa que se constrói sobre a rocha (Mt 7,24-27). Com Jesus, somos chamados a viver uma “intimidade itinerante”, que é partilha da sua vida, da sua missão e dos seus sentimentos (Fl 2,5). A Igreja vive sua fidelidade a Cristo e ao Evangelho nos contextos em que se encontra. O povo de Deus “se encarna nos povos da Terra”. “Uma autêntica, que nunca é cômoda nem individualista, comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar a terra um melhor depois da nossa passagem por ela”.

CAPÍTULO II
MARCAS DE NOSSO TEMPO
Como o Filho de Deus assumiu a condição humana, nascendo e vivendo como membro de um determinado povo e em uma realidade histórica (Lc 2,1-2), seus discípulos, fiéis a Ele, anunciam o Evangelho à luz da pessoa, da vida e da palavra de Jesus Cristo, Senhor e Salvador. Assim, testemunham o Evangelho acolhendo as alegrias e esperanças, tristezas e angústias do homem de hoje, especialmente dos mais pobre. Os discípulos missionários sabem que evangelizam “também procurando enfrentar os diferentes desafios que podem se apresentar”, e que, para isto, devem conhecer a realidade à sua volta, atentos aos sinais dos tempos e, em atitude de discernimento, nela mergulhar iluminados pela .
“Evangelizar é, em primeiro lugar, dar testemunho”. A Igreja no Brasil tem sido testemunha do Evangelho da vida e da promoção da justiça e da paz e acompanha com atenção a realidade cultural, econômica e política da sociedade brasileira, especialmente atenta aos pobres, que, tendo de lutar para viver e muitas vezes com “pouca dignidade”, são a maioria da população e “vivem seu dia a dia precariamente”.
Os elementos do contexto em que a Igreja vive e age são aqui apresentados e interpretados numa perspectiva pastoral, na linha do discernimento evangélico. Em grande parte, são condicionados pela conjuntura cultural e econômica mundial. Assumem características comuns em todo o território nacional, mas é em cada local que abrem possibilidades novas e fazem sentir o peso de seus limites e distorções. Por isso, cada comunidade é convidada a conhecer bem os desafios locais, entre os quais tem que viver e com os quais tem que interagir no cumprimento de sua missão.

Contexto atual: mudança de época
Vivemos uma época de transformações profundas. Não se trata de “época de mudanças”, mas de uma “mudança de época”. São tempos nos quais se constatam avanços e conquistas no mundo das ciências e da técnica, que proporcionam conforto e bem-estar. Constatam-se também avanços em vários âmbitos da sociedade: a promoção da mulher; a valorização das minorias étnicas; o destaque à justiça, à paz e à ecologia; a consciência da importância dos movimentos sociais e dos direitos à educação e à saúde; iniciativas para a superação da miséria e da fome.
O fenômeno da globalização, embora atinja todos os recantos do planeta, não se restringe ao âmbito geográfico, mas produz transformações que atingem todos os setores da vida humana. Vive-se sob o imperativo da racionalização técnico-cientifica, voltada para a produtividade, o consumo e o lucro, que representam, muitas vezes, hipotecas pesadas para a natureza e as futuras gerações. O que até bem pouco tempo era tido como referências seguras, orientações determinantes para viver e conviver, se tornou insuficiente para responder às novas situações com seus desafios.

Riscos e consequências de uma mudança de época
Mudanças de época, de fato, afetam os critérios de compreensão, os valores mais profundos, a partir dos quais se afirmam identidades e se estabelecem ações e relações. Além disso, constata-se o aumento progressivo do relativismo, a ausência de referências sólidas, o excesso de informações, a superficialidade, o desejo a qualquer custo de conforto e facilidades, a aceleração do tempo, trazendo desafios existenciais e produzindo incertezas, precariedade, insegurança, inquietação. Surgem ou se agravam tendências desafiadoras como o individualismo, o fundamentalismo, o relativismo e diversas formas de unilateralismos. A atual crise cultural atinge, de modo particular, a família. “Difunde-se a noção de que a pessoa livre e autônoma precisa se libertar da família, da religião e da sociedade”. Fortes ideologias apresentam, por exemplo, noções confusas da sexualidade, do matrimônio e da família. Estas tendências desdobram-se em outras tantas como: o laicismo militante, com posturas fortes contra a Igreja e a Verdade do Evangelho; a negação da Cruz e de sua força redentora; a irracionalidade da chamada cultura midiática (meios de comunicação); o amoralismo generalizado; as atitudes de desrespeito diante do povo, especialmente para com os mais frágeis; uma compreensão de economia que não considera a pessoa humana e os anseios do povo.
No campo social e econômico, os critérios que regem o mercado regulam também as relações humanas. Crescem as ofertas de felicidade, realização e sucesso pessoal, em detrimento do bem comum e da solidariedade, desconsiderando as atitudes altruístas, solidárias e fraternas. Os pobres são considerados supérfluos e descartáveis, ‘resíduos e sobras’. Preocupa-nos o avanço de empreendimentos imobiliários, agropecuários e de mineração sobre os territórios dos povos indígenas, quilombolas e pescadores artesanais, gerando processos de degradação ambiental, que ameaçam a sobrevivência desses povos. Ficam assim comprometidos o cuidado pela vida, o equilíbrio social, a preservação da natureza, o acesso à terra para trabalho e renda, entre outros fatores. Trata-se de uma economia caracterizada pela “negação da primazia do ser humano”, e, por isso, pela exclusão e pela desigualdade social, geradora uma cultura do bem-estar e do descartável e uma globalização da indiferença. Em termos evangélicos, o discípulo sabe que se trata de uma “nova idolatria do dinheiro” sustentada pela ideologia da autonomia absoluta dos mercados comandada pela especulação financeira. Sabe que é preciso dizer “não a um dinheiro que governa em vez de servir”.
Em consequência, surgem práticas preocupantes de banalização da vida, tais como: a manipulação de embriões, práticas abortivas e tantas outras mortes absurdas; ausência de políticas públicas para uma vida digna com educação, saúde, segurança, trabalho, lazer, moradia; de efetiva proteção à vida e à família, às crianças e aos adolescentes, aos jovens e aos idosos e às pessoas com deficiência. A banalização da vida traz consigo a violência. Verdadeiro “câncer social”, a corrupção agrava a situação e gera, em muitos, atitudes de desconfiança e descrédito nas possibilidades de mudança. É preciso transformar a sociedade, repensar a função do Estado e redescobrir os valores éticos, para a superação da corrupção, da violência, do narcotráfico, bem como do tráfico de pessoas e de armamentos.
Em razão da hegemonia que a economia exerce sobre a cultura atual, é preciso discernir a origem profunda da atual crise econômico-financeira. À luz da dignidade humana, ela se revela como uma crise antropológica: reduz a pessoa humana a uma de suas necessidades, o consumo. À luz da  cristã, ela se caracteriza como rejeição da ética e de Deus.
No âmbito religioso, constata-se um forte pluralismo, no qual se encontram, muitas vezes, práticas marcadas por fundamentalismo, emocionalismo e sentimentalismo. Isto por um lado, resulta de uma reação contra a sociedade materialista, consumista e individualista, procurando preencher o vazio deixado pelo racionalismo secularista e, por outro, se aproveita das carências da população. Tais movimentos religiosos favorecem a manipulação da mensagem do Evangelho. Exclui-se assim a salvação em Cristo, que passa a ser apresentada como sinônimo de prosperidade material, saúde física e realização afetiva. Existe também uma corrente secularista que mundialmente invade a sociedade, produzindo negação da transcendência, indiferença religiosa e generalização do relativismo. Estes fatores contribuem para a diluição do sentido de pertença eclesial e do vínculo comunitário, dificultando a iniciação à vida cristã e o compromisso com a evangelização e a transformação social.
No âmbito católico, um considerável número de pessoas se afasta, por diferentes razões, da comunidade eclesial, sinal da “crise do compromisso comunitário”. Constata-se, em algumas comunidades, situações que interpelam a ação evangelizadora: a persistência de uma pastoral de manutenção em detrimento de uma pastoral decididamente missionária; a compreensão da comunidade como mera prestadora de serviços religiosos do que lugar de vivência fraterna da ; a passividade do laicato do que o engajamento nas diversas instâncias da vida social; a concentração do clero em determinadas áreas do que à efetiva solidariedade eclesial; a tendência de centralização excessiva do que ao exercício da comunhão e participação; o mundanismo sob vestes espirituais e pastorais do que a efetiva conversão; sinais de apegos a ‘vantagens e privilégios’ do que ao espírito de serviço; celebrações litúrgicas que tendem mais à exaltação da subjetividade do que a comunhão com o Mistério; a utilização de uma linguagem inadequada do que uma linguagem acessível e atual; a tendência à uniformidade do que a unidade na diversidade. Sente-se a necessidade de encontrar uma nova figura de comunidade eclesial, acolhedora e missionária.
Em virtude do enfraquecimento das instituições e tradições, cresce a responsabilidade pessoal. Em outras épocas, instituições e tradições protegiam bem mais os indivíduos. Nesta mudança de época, instituições e tradições tendem a ser sócio culturalmente julgadas com base na ação dos indivíduos. Em tempos de perplexidade e incertezas, os discípulos missionários necessitam de retidão ainda maior e fidelidade a Cristo ao pensar, sentir e agir. Devem verificar se estão deixando de realmente defender, promover e testemunhar a vida em todas as suas dimensões.
Nesse contexto sociocultural, o discípulo missionário não desanima nem se acomoda, mas reage segundo o espírito das bem-aventuranças (Mt 5,1ss), colocando-se atento na presença do Senhor (1Sm 3,9-10). Ele crê que o Espírito é a força de Deus presente na vida das pessoas e da comunidade eclesial e confia que Ele o conduz, orienta e ilumina. Não faltam sinais de esperança. Constata-se o avanço do trabalho de leigos na Igreja e na sociedade, ministros ordenados e membros da vida consagrada se dedicam com ardor à missão, comunidades respondem aos novos desafios, setores de juventude se organizam, crescem movimentos, associações, grupos, pastorais e serviços.
“Os desafios existem para serem superados. […] Não deixemos que nos roubem a força missionária”. Eles oferecem oportunidade para discernir as urgências da ação evangelizadora. Este é um tempo para responder missionariamente à mudança de época com o recomeçar a partir de Jesus Cristo, através de “novo ardor, novos métodos e nova expressão”, com “criatividade pastoral”. “O semeador, quando vê surgir o joio no meio do trigo, não tem reações lastimosas ou alarmistas. Encontra o modo para fazer com que a Palavra se encarne numa situação concreta e dê frutos de vida nova”.


CAPÍTULO III
URGÊNCIAS NA AÇÃO EVANGELIZADORA
Diante da realidade que se transforma, a Igreja “em saída” é convocada a superar uma pastoral de mera conservação ou manutenção para assumir uma pastoral decididamente missionária, numa atitude que é chamada de conversão pastoral, como caminho da ação evangelizadora. Voltar às fontes e recomeçar a partir de Jesus Cristo, faz a Igreja superar a tentação de ser autor referencial e a coloca no caminho do amor-serviço aos sofredores desta terra.
Neste contexto emergem 05 urgências na evangelização que precisam estar presentes nos processos de planejamento pastoral das Igrejas particulares e instituições eclesiais. Tais urgências dizem respeito à busca de caminhos para a vivência e a transmissão da . Elas são elo entre tudo que se faz em termos de evangelização no Brasil. Põem a Igreja “em movimento de saída de si mesma, de missão centrada em Jesus Cristo, de entrega aos pobres”.
De acordo com essas urgências, a Igreja no Brasil se empenha em ser uma Igreja em estado permanente de missão, casa da iniciação à vida cristã, fonte da animação bíblica da vida e da pastoral, comunidade de comunidades, a serviço da vida em todas as suas instâncias. Tais aspectos encontram-se unidos de tal modo, que assumir um deles implica que assumam os outros. Estão sempre presentes, pois se referem a Cristo, à Igreja, à vida comunitária, à Palavra de Deus como alimento para a , à Eucaristia como alimento para o serviço ao Reino de Deus, a caminho da vida eterna.
Por seu testemunho e por suas ações pastorais, a Igreja suscita o desejo de encontrar Jesus Cristo. Este encontro se dá através do mergulho gradativo no mistério do Redentor. Daí a importância do primeiro anúncio e da iniciação à vida cristã, a qual não acontece plenamente se não se tem contato com a Sagrada Escritura. A Palavra de Deus, alimentando, iluminando e orientando toda a ação pastoral, transborda para a totalidade da existência de pessoas e grupos, tornando-se luz para o caminho (Sl 119,105). Transformados por Jesus Cristo e comprometidos com o Reino de Deus, os discípulos missionários formam comunidades que não podem fechar-se em si mesmas, como ilhas. Por suas atitudes fraternas e solidárias, trabalhando incessantemente pela vida em todas as suas instâncias, tornam-se sinais de que o Reino de Deus vai se manifestando em nosso meio (Mt 11,2-6; At 2,42), na vitória sobre o pecado e suas consequências.
As cinco urgências apresentam a evangelização na perspectiva da inculturação, em vista de “fazer a proposta do Evangelho chegar à variedade dos contextos culturais e dos destinatários”. Entre esses contextos, sobressaem a cultura urbana e a Amazônia, “teste decisivo, banco de prova para a Igreja e a sociedade brasileiras”.

3.1. Igreja em estado permanente de missão
 “Ide pelo mundo inteiro  e anunciai a Boa Nova a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo!” (Mc16,15)
Jesus Cristo, o grande missionário do Pai, envia, pela força do Espírito, seus discípulos em constante atitude de missão (Mc 16,15), por meio do testemunho e do anúncio explícito de sua pessoa e mensagem. A Igreja é missionária por natureza. Existe para anunciar, por gestos e palavras, a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo. Fechar-se à dimensão missionária implica fechar-se ao Espírito Santo, sempre presente, atuante, impulsionador e defensor (Jo 14,16; Mt 10,19-20). Em toda a sua história, a Igreja nunca deixou de ser missionária. Em cada tempo e lugar, esta missão assume perspectivas distintas, nunca, porém, deixa de acontecer. Se hoje partilhamos a experiência cristã, é porque alguém nos transmitiu a beleza da , apresentou-nos Jesus Cristo, acolheu-nos na comunidade eclesial e nos fascinou pelo serviço ao Reino de Deus.
A Conferência de Aparecida e a exortação apostólica Evangelii gaudium (Alegria do Evangelho) convocam a Igreja a ser toda missionária e em estado permanente demissão. Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode excluir ninguém. Somos convidados a aceitar este chamado: sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz do Evangelho.
missão “é o paradigma de toda a obra da Igreja”. Ela assume um rosto próprio, com pelo menos três características: urgência, amplitude, inclusão. É urgente em decorrência da oscilação atual de critérios. Ampla e includente, porque reconhece que todas as situações, tempos e locais são seus interlocutores.
É necessário, portanto, suscitar, em cada batizado e em cada forma de organização eclesial, uma forte consciência missionária que interpele o discípulo missionário a “primeirear”, isto é, a tomar iniciativa, a “sair ao encontro das pessoas, das famílias, das comunidades e dos povos para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro com Cristo”. O discípulo missionário anuncia Jesus Cristo, em todos os lugares e situações em que se encontrar, apresentando com clareza e força testemunhal, quem é Ele e qual sua proposta para toda a humanidade, reconhecendo sempre que é precedido pelo Espírito Santo, protagonista da evangelização. O testemunho pessoal, é a base sobre a qual o anúncio explícito haverá de ser desenvolvido.
O discípulo missionário é consciente que o distanciamento em relação a Jesus Cristo e ao Reino de Deus traz graves consequências para toda a humanidade. Estasconsequências são sentidas principalmente nas inúmeras formas de desrespeito e destruição da vida. O cristão sabe que não lhe cabe a exclusividade na construção da nova época que está para surgir. Esta consciência, no entanto, não o exime da responsabilidade por testemunhar e anunciar, oportuna e inoportunamente (2Tm 4,2), Cristo e o Reino de Deus, que é vida, paz, justiça, concórdia e reconciliação (Gl 5,22s).
Surge também a urgência de pensar estruturas pastorais que favoreçam a realização da atual consciência missionária. Esta “deve impregnar todas as estruturas eclesiais e todos os planos pastorais”, a ponto de deixar para trás práticas, costumes e estruturas que, por corresponderem a outros momentos históricos, atualmente não favorecem a transmissão da . “O que derruba as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente a missionariedade”. Continua a nos interpelar a convocação da Conferência de Aparecida à conversão pastoral, através da qual se ultrapassam os limites de uma “pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária”. Neste sentido, a Igreja precisa agir com firmeza e rapidez, reforçando seu compromisso com a Missão Continental.

3.2. Igreja: casa da iniciação à vida cristã
 “Paulo e Silas anunciaram a Palavra do Senhor  ao carcereiro e a todos os da sua casa. E, imediatamente, foi batizado,  junto com todos os seus familiares” (At 16,32s)
O estado permanente de missão implica uma efetiva iniciação à vida cristã. Cada tempo e lugar têm um modo característico para apresentar Jesus Cristo e suscitar nos corações o seguimento apaixonado à sua pessoa, que a todos convida para com Ele vincular-se intimamente. “A admiração pela pessoa de Jesus, seu chamado e seu olhar de amor despertam uma resposta consciente e livre desde o mais íntimo do coração do discípulo”. A mudança de época exige que o anúncio de Jesus Cristo não seja mais pressuposto, porém explicitado continuamente.
É preciso ajudar as pessoas a conhecer Jesus Cristo, fascinar-se por Ele e optar por segui-lo. “Anunciar Cristo significa mostrar que crer nele e segui-lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações”.
A Conferência de Aparecida, ao elevar a iniciação à vida cristã à categoria de urgência, recorda que ela, não se esgota na preparação aos sacramentos do Batismo, Confirmação e Eucaristia, mas se refere, principalmente, à adesão a Jesus Cristo. Trata-se de uma Catequese de inspiração catecumenal. A adesão que tal processo de inspiração catecumenal promove deve ser feita pela 1ª vez, mas refeita, fortalecida e ratificada tantas vezes quantas o cotidiano exigir. Nossas comunidades precisam ser mistagógicas, lugar por excelência da Catequese preparadas para favorecer que o encontro com Jesus Cristo se faça e se refaça permanentemente.
Catequese de inspiração catecumenal a serviço da Iniciação à Vida Cristã fundamenta-se na centralidade do querigma ou primeiro anúncio na missão da Igreja. “Primeiro” significa que “é o principal”, que sempre se tem de voltar a anunciar e a ouvir de diversas maneiras. Este 1º anúncio desencadeia “um caminho de formação e de amadurecimento” que é o catecumenato, propriamente dito, um tempo de acompanhamento em vista da iluminação da vida a partir da  cristã. “Para se chegar a um estado de maturidade, é preciso dar tempo ao tempo, com uma paciência imensa”.
Catequese de inspiração catecumenal traz consigo importantes consequências para a ação evangelizadora. Requer uma série de atitudes: acolhida, diálogo, partilha, escuta da Palavra de Deus e adesão à vida comunitária. Implica estruturas eclesiais apropriadas, nos mais diversos lugares e ambientes, sempre disponíveis a acolher, apresentar Jesus Cristo e dar as razões da nossa esperança (1Pd 3,15). Pressupõe, por fim, um perfil de catequista / evangelizador, ponte entre o coração que busca descobrir ou redescobrir Jesus Cristo e Seu seguimento na comunidade de irmãos, em atitudes coerentes e na missão de colaborar na edificação do Reino de Deus.
Esta perspectiva de crescimento destaca o lugar que a liturgia, celebrada na comunidade dos fiéis, ocupa na ação missionária da Igreja e no seguimento de Jesus Cristo. Sendo intimamente unida ao conteúdo do anúncio (lex orandi, lex credendi), ela “é o ápice para o qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda a sua força”. Por isso, “nenhuma atividade pastoral pode se realizar sem referencia à liturgia”. Enfim, ela, fonte de verdadeira alegria (At 2,46), tem um papel fundamental na missão evangelizadora da Igreja, na consolidação da comunidade cristã, e na formação dos discípulos missionários.

3.3. Igreja: lugar de animação bíblica,
       da vida e da pastoral
 “Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça” (2Tm 3,16).
Iniciação à vida cristã e Palavra de Deus estão intimamente ligadas. Uma não pode acontecer sem a outra. “Ignorar as Escrituras é ignorar o próprio Cristo”. Este é um tempo muito rico para que cada pessoa seja iniciada na contemplação da vida, à luz da Palavra e no empenho para que ela seja efetivamente colocada em prática (Tg 1,22-25).
Deus se dá a conhecer no diálogo que estabelece conosco. “Quem conhece a Palavra divina conhece plenamente também o significado de cada criatura”. “A Palavra divina, pronunciada no tempo, deu-Se e entregou-Se à Igreja definitivamente para que o anúncio da salvação possa ser eficazmente comunicado em todos os tempos e lugares. […] Disto conclui-se como é importante que o Povo de Deus seja educado e formado claramente para se abeirar das Sagradas Escrituras na sua relação com a Tradição viva da Igreja, reconhecendo nelas a própria Palavra de Deus”.
O discípulo missionário é convidado a redescobrir o contato pessoal e comunitário com a Palavra de Deus como lugar privilegiado de encontro com Jesus Cristo. “Na alvorada do terceiro milênio, não só existem muitos povos que ainda não conheceram a Boa Nova, mas há também muitos cristãos que têm necessidade que lhes seja anunciada novamente, de modo persuasivo, a Palavra de Deus, para poderem assim experimentar concretamente a força do Evangelho”. A Igreja hoje tem consciência de que “particularmente as novas gerações têm necessidade de ser introduzidas na Palavra de Deus através do encontro e do testemunho autêntico do adulto, da influência positiva dos amigos e da grande companhia que é a comunidade eclesial”.
O atual excesso de informações exige formação adequada que auxilie na síntese, no discernimento e nas escolhas. O desafio para todos os que aceitam Jesus como caminho é escutar a voz de Cristo em meio a tantas outras vozes. O discípulo missionário, bombardeado a todo o momento por questões que lhe desafiam a , a ética e a esperança, precisa estar de tal modo familiarizado com a Palavra de Deus e com o Deus da Palavra que, mesmo pressionado, mas não abalado (At 2,25; 2Cor 4,8-9), continue solidamente firmado em Cristo Jesus e, por seu testemunho, interpele os corações que o questionam (At 16,16-34). Infelizmente, também podemos constatar que a Bíblia, algumas vezes, não é compreendida como luz para a vida. Ao contrário, é instrumentalizada até mesmo para engodo.
A Palavra de Deus dirige-se a todos, indistintamente: crianças, jovens, adultos, idosos, e em todas as situações e contextos em que se encontrem. Ouvida e celebrada na comunhão com os irmãos, a Palavra de Deus gera solidariedade, justiça, reconciliação, paz e defesa de toda a criação. O discípulo missionário haverá de reconhecer e testemunhar que a Palavra é de Deus e como tal deve ser acolhida e praticada. Não é o discípulo missionário quem indica à Palavra o que ela deve dizer. Antes, ele mesmo é um ouvinte assíduo da Palavra (Is 50,5; Tg 1,25). O discípulo missionário a acolhe na gratuidade e na alteridade, deixando-se apaixonadamente interpelar.
O discípulo missionário acolhe e vive a Palavra de Deus em comunhão com a Igreja. Ao escutar atentamente a Palavra, sabe que não o faz isoladamente, mas na comunhão com esta mesma Palavra e com todos que também a acolhem, como dom na Igreja e com toda a Igreja. Assim, a Palavra é saboreada sobretudo na eclesialidade.
A Palavra de Deus é luz para a vida (Sl 119,105). Quanto bem tem feito, pelo Brasil afora, nas mais diversas realidades, a leitura da vida à luz da Palavra. Quantas comunidades se nutrem dominicalmente da Palavra de Deus, experimentando a força deste alimento salutar. Quanta riqueza evangelizadora acontece nos Círculos Bíblicos, nos Grupos de Reflexão, nos Grupos de Quadra e outros similares.
animação bíblica de toda a pastoral, indo além de uma pastoral bíblica especializada, é um caminho de conhecimento e interpretação da Palavra, um caminho de comunhão e oração com a Palavra e um caminho de evangelização e proclamação da Palavra. O contato interpretativo, orante e vivencial com a Palavra de Deus não forma, necessariamente, doutores; forma santos.

3.4. Igreja: comunidade de comunidades
“Sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma nação santa, um povo adquirido para Deus”(1Pd 2,9).
O discípulo missionário de Jesus Cristo, necessariamente, vive sua  em comunidade (1Pd 2,9-10)103, em “íntima união ou comunhão das pessoas entre si e delas com Deus Trindade”. Sem vida em comunidade, não há como efetivamente viver a proposta cristã. Comunidade implica convívio, vínculos profundos, afetividade, interesses comuns, estabilidade e solidariedade nos sonhos, nas alegrias e nas dores. A comunidade eclesial acolhe, forma e transforma, envia em missão, restaura, celebra, adverte e sustenta. Ao mesmo tempo em que hoje se constata uma forte tendência ao individualismo, percebe-se igualmente a busca por vida comunitária. Esta busca nos recorda como é importante a vida em fraternidade. Mostra também que o Espírito Santo acompanha a humanidade suscitando, em meio às transformações da história, a sede por união e solidariedade.
As paróquias têm importante papel na vivência da . Para a maioria das pessoas a relação com a Igreja se dá através das paróquias. Em vista da conversão pastoral que a missão hoje exige, elas precisam tornar-se cada vez mais comunidades vivas e dinâmicas, capazes de propiciar a seus membros uma real experiência “de discípulos e missionários de Jesus Cristo, em comunhão”. Assim haverão de se tornar mais próximas das pessoas sendo âmbitos de viva comunhão, participação e missão.
A busca sincera por Jesus Cristo faz surgir a correspondente busca por diversas formas de vida comunitária. Alimentadas pelo pão da Palavra e da Eucaristia, articuladas entre si, na partilha da  e na missão, estas comunidades se unem, dando lugar a verdadeiras comunidades de comunidades. Entre elas, encontram-se as Comunidades Eclesiais de e “outras formas válidas de pequenas comunidades”, cada uma vivendo seu carisma, assumindo a missão evangelizadora de acordo com a realidade local e se articulando de modo a testemunhar a comunhão na pluralidade.
Além das comunidades territorialmente estabelecidas, deparamo-nos com comunidades transterritoriais, ambientais e afetivas. Estes fatos abrem o coração do discípulo missionário a novos horizontes de concretização comunitária.
Dentre os desafios dois se destacam. O 1º diz respeito aos ambientes marcados por aguda urbanização, para os quais vizinhança geográfica não significa necessariamente convívio, afinidade e solidariedade. O 2º se refere aos ambientes virtuais, onde a rapidez da comunicação e a superação das distâncias geográficas tornam-se grandes atrativos, especialmente aos jovens. É necessária a consciência de que, na ação evangelizadora, estes desafios devem ser seriamente considerados e que nada substitui o contato pessoal.
Em todas estas situações, contradiz profundamente a dinâmica do Reino de Deus e de uma Igreja em estado permanente de missão, a existência de comunidades fechadas em torno de si mesmas, sem relacionamento intraeclesial, com a sociedade em geral, com as culturas, com os demais irmãos que creem em Jesus Cristo e com as outras religiões.
A experiência comunitária, quando efetivamente vivida à luz da Boa-Nova do Reino de Deus, conduz ao empenho para que a fraternidade e a união sejam assumidas em todas as instâncias da vida. Para isso, no interior da comunidade eclesial, o diálogo é o caminho permanente para a boa convivência e o aprofundamento da comunhão. A variedade de vocações, carismas, espiritualidades e movimentos é uma riqueza e não motivo para competição, rejeição ou discriminação. Grande é o desafio da educação para a vivência da unidade na diversidade, fundada na consagração batismal e no princípio de que todos são irmãos e iguais em dignidade (Gl 3,27-29). Quanto maior for a comunhão, tanto mais autêntico e eficaz será o testemunho da comunidade.

3.5. Igreja a serviço da vida plena para todos
 “Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10)
A vida é dom de Deus! “O Evangelho da vida está no centro da mensagem de Jesus”. É missão dos discípulos o serviço à vida plena. Por isso, a Igreja no Brasil proclama com vigor que “as condições de vida de muitos abandonados, excluídos e ignorados em sua miséria e dor, contradizem o projeto do Pai e desafiam os discípulos missionários ao maior compromisso a favor da cultura da vida”.
Ao mergulhar nas profundezas da existência humana, o discípulo missionário abrindo seu coração em louvor, por todas as criaturas, angustia-se diante de todas as formas devida ameaçada, desde o seu início, em todas as suas etapas, até a morte natural. Na medida em que nenhuma vida existe apenas para si, mas para os outros e para Deus, este é tempo mais do que propício para a articulação e a integração de todas as formas de paixão pela vida. Só assim conseguiremos, de fato, vencer a cultura de morte.
Através da promoção da cultura da vida os discípulos missionários de Jesus Cristo testemunham verdadeiramente sua  naquele que veio dar a vida em resgate de todos, comprometendo-se de modo especial com os pobres e, em vista da construção de uma sociedade justa e fraterna.
Contemplando os diversos rostos de sofredores, especialmente os resíduos e “sobras” o discípulo missionário enxerga, em cada um, o rosto de seu Senhor: chagado, destroçado, flagelado (Is 52,13ss). Seu amor por Jesus Cristo e Cristo Crucificado (1Cor 1,23-25) leva-o a buscar o Mestre em meio às situações de morte (Mt 25,31-46). Leva-o a não aceitá-las, sejam elas quais forem, envolvendo-se na preservação da vida. O discípulo missionário não se cala diante da vida impedida de nascer, seja por decisão individual, seja pela legalização e despenalização do aborto. Não se cala igualmente diante da vida sem alimentação, casa, terra, trabalho, educação, saúde, lazer, liberdade, esperança e . Torna-se, deste modo, alguém que sonha e se compromete com um mundo onde seja, efetivamente, reconhecido o direito a nascer, crescer, constituir família, seguir a vocação, envelhecer e morrer naturalmente, crer e manifestar sua .
“Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de atividade de assistência social que poderia mesmo deixar para outros, mas pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável de sua própria essência”. Daí “ratificar e potencializar a opção preferencial pelos pobres”, “implícita à  Cristológica naquele Deus que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza” e que deverá “atravessar todas as suas estruturas e prioridades pastorais” manifestando-se “em opções e gestos concretos”. Devemos evitar “a tentação de ser cristãos, mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros. Espera que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos verdadeiramente de entrar em contato com a vida concreta dos outros e conhecermos a força da ternura”.
Consciente de que precisa contribuir para superar a miséria e a exclusão, o discípulo missionário também sabe que não pode restringir sua solidariedade ao gesto imediato da doação caritativa. Embora importante e mesmo indispensável, a doação imediata do necessário à sobrevivência não abrange a totalidade da opção pelos pobres. Antes de tudo, esta implica convívio, convívio, relacionamento fraterno, atenção, escuta, acompanhamento nas dificuldades, buscando, a partir dos próprios pobres, a mudança de sua situação e a transformação social. Os pobres e excluídos são sujeitos da evangelização e da promoção humana integral. Eles estão no centro da vida da Igreja.
Em tudo isso, a Igreja reconhece a importância da atuação no mundo da política e incentiva os leigos e leigas, especialmente os jovens, à participação ativa e efetiva nos diversos setores voltados para a construção de um mundo mais justo, fraterno e solidário. Daí, a urgência na formação e apoio aos cristãos leigos e leigas para que atuem nos movimentos sociais, conselhos de políticas públicas, associações de moradores, sindicatos, partidos políticos e outras entidades, sempre iluminados pelo Ensino Social da Igreja. Tão desacreditada em nossos dias, a política, no entanto, “é uma sublime vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem comum”.
Frente aos efeitos das mudanças climáticas na vida das famílias, comunidades e regiões, é preciso avançar na consciência ecológica. “Nós, os seres humanos, não somos meramente beneficiários, mas guardiões das outras criaturas”. “A criação não é uma propriedade, que podemos manipular a nosso bel-prazer; nem muito menos uma propriedade que pertence só a alguns, a poucos: a criação é um dom, uma dádiva maravilhosa que Deus nos concedeu, para a cuidarmos e utilizarmos em benefício de todos, sempre com grande respeito e gratidão”. “A Igreja tem uma responsabilidade a respeito da criação e deve fazer valer essa responsabilidade na esfera pública”.
serviço testemunhal à vida, de modo especial, à vida fragilizada e ameaçada, é a mais forte atitude de diálogo que o discípulo missionário pode e deve estabelecer com uma realidade que sente a negação da primazia do ser humano e o peso da cultura da morte. Na Igreja samaritana, o discípulo missionário vive o anúncio de um mundo diferente que, acima de tudo, por amar a vida, convoca à comunhão efetiva entre todos os seres vivos.

CAPÍTULO IV
PERSPECTIVAS DE AÇÃO
Em nosso imenso Brasil, cada Igreja Particular responda às urgências na ação evangelizadora de acordo com as suas peculiaridades regionais. Além de características comuns da realidade brasileira em suas diferentes regiões, a fidelidade ao Evangelho no hoje de nosso tempo e o caráter indispensável do testemunho de unidade exigem uma ação orgânica em torno a alguns referenciais comuns.
Estas perspectivas de ação querem contribuir, por um lado, com uma Igreja “comunhão e participação”, despertando a criatividade e fornecendo subsídios às diversas iniciativas da ação evangelizadora. Por outro, quer promover, nas Igrejas Particulares e entre elas, uma pastoral orgânica e de conjunto mais eficaz, pois a Igreja é “Igreja de Igrejas”. Trata-se de linhas e formas de ação, de critérios, que precisarão ser concretizadas nos processos de ação pastoral em cada Igreja Particular, segundo as condições e necessidades dos respectivos contextos.
A proposta destas perspectivas de ação se situa no contexto de celebração dos 50 anos do encerramento do Concílio Vaticano II. Ele representa um acontecimento eclesial que marcou fortemente a caminhada da Igreja, promovendo a atualização de métodos e de linguagem, verdadeiro Pentecostes do século XX.

4.1. Igreja em estado permanente de missão
A experiência de  faz transbordar o anúncio explícito de Jesus Cristo para além da comunidade cristã, nos ambientes onde os mensageiros se fazem presentes como Jesus, cheio de graça e de verdade. A Igreja oferece a todos o Evangelho de Jesus Cristo, assumindo com renovado ardor missionário e criatividade uma nova evangelização:
a) aos fiéis que frequentam regularmente a comunidade e aos que, embora não tenham frequência regular, conservam uma  católica intensa e sincera. A estes, a Igreja acompanha com a pastoral ordinária, que visa o crescimento na  e o consequente compromisso cristão no mundo;
b) às pessoas batizadas que já não vivem as exigências do batismo, a Igreja oferece oportunidade de conversão, que os pode levar a reencontrar a alegria da , o compromisso com o Evangelho e a vivência comunitária;
c) aos que não conhecem Jesus Cristo ou que o recusam, os cristãos têm o dever de lhes anunciar o Evangelho, como partilha de uma alegria que confere à vida um horizonte de significado e realização, especialmente através do testemunho de vida.
Cabe a cada comunidade eclesial perguntar quais são os grupos humanos ou as categorias sociais que merecem atenção especial e lhes dar prioridade no trabalho de evangelização. Entre esses grupos estão: pessoas vivendo na periferia de nossas cidades, indígenas e afrodescendentes, intelectuais, artistas, políticos, formadores de opinião, esportistas, trabalhadores com grande mobilidade, nômades, pessoas com deficiência etc. Importa ir ao encontro deles, não apenas nas famílias e nas residências, nas periferias existenciais, mas também em todos os ambientes.
juventude merece atenção especial. Uma Igreja sem jovens é uma Igreja sem futuro. A CNBB motiva e norteia os projetos de evangelização da juventude. A crescente participação do Brasil nas Jornadas Mundiais da Juventude, e especialmente os frutos da Jornada realizada no Rio de Janeiro têm mostrado, ao lado dos outros projetos pastorais, a força evangelizadora dos jovens e sua significativa predisposição para as iniciativas missionárias e serviços voluntários. O atual projeto “300 anos de bênçãos: com a Mãe Aparecida – Juventude em Missão” vem reforçar a dimensão missionária na formação dos jovens.
As missões populares, em suas diversas modalidades, respondendo ao apelo da Missão Continental, têm se mostrado um caminho eficaz de evangelização. Também as visitas sistemáticas nos locais de trabalho, nas moradias de estudantes, nas favelas e nos cortiços, nos alojamentos de trabalhadores, nas instituições de saúde, nos assentamentos, nas prisões, nos albergues e junto aos moradores de rua, entre outros, são testemunho de uma “Igreja em saída”, que se sente interpelada a buscar maior organicidade e eficácia neste serviço.
Uma “Igreja em estado permanente de missão” nos leva a assumir a missão ad gentes, dando “de nossa pobreza”, em outras regiões e além fronteiras. Uma Igreja Particular não pode esperar atingir a plena maturidade eclesial para, só então, começar a se preocupar com a missão para além de seu território. Através dos Conselhos Missionários é chamada a articular e animar as iniciativas de missão em seu território, com abertura à missão além fronteiras. A maturidade eclesial é consequência e não apenas condição de abertura missionária.
Na missão, o discípulo se depara com o desafio do ecumenismo, a buscar cordialmente a unidade com os irmãos e irmãs que creem em Jesus Cristo. O escândalo da divisão entre os cristãos nos desafia exigindo respostas para a sua superação. “Não bastam as manifestações de bons sentimentos. São necessários gestos concretos que penetrem nos espíritos e sacudam as consciências, impulsionando cada um à conversão interior, que é o fundamento de todo progresso no caminho do ecumenismo”. Sobretudo, Cada Igreja Particular está desafiada a dar passos mais consistentes no campo do ecumenismo.
Outro desafio é o diálogo inter-religioso, o encontro fraterno e respeitoso com os seguidores de religiões não cristãs e com todas as pessoas empenhadas na busca da justiça e na construção da fraternidade universal. Especial atenção merece o diálogo com os judeus e os muçulmanos, irmãos de  no Deus Uno; com as expressões religiosas afrodescendentes e indígenas, assim como com os ateus. Tal como o ecumenismo, o diálogo inter-religioso precisa integrar a vida e a ação de nossas comunidades eclesiais. 81. O diálogo e a cultura do encontro tornam-se atitudes necessárias e urgentes diante de manifestações, às vezes violentas, de intolerância em relação a outras expressões de  e cultos religiosos. As nossas comunidades, a exemplo de Jesus que soube acolher e atender pessoas de outras tradições religiosas e dialogar com elas e de Paulo, chamado a evangelizar os gentios, se tornem sensíveis à diversidade religiosa do povo brasileiro e lugar de encontro para uma convivência fraterna com todos.
Faz-se necessário estimular, sempre mais, com oportunas iniciativas, a partilha e a comunhão dos recursos da Igreja no Brasil, desenvolvendo e ampliando o projeto “Igrejas irmãs” nas Igrejas Particulares, nos regionais e em âmbito nacional, levando em conta a situação de grave necessidade de pessoal e de recursos financeiros nas regiões mais carentes do país. Neste sentido, merece especial apoio o projeto “Comunhão e Partilha”, em favor das Igrejas com maior carência de recursos econômicos, promovido pela CNBB. A região amazônica merece especial atenção e renovado empenho missionário.

4.2. Igreja: casa da iniciação à vida cristã
É necessário desenvolver, em nossas comunidades, um processo de iniciação à vida cristã, que conduza ao “encontro pessoal com Jesus Cristo”, no cultivo da amizade com Ele pela oração, no apreço pela litúrgica, na experiência comunitária e no compromisso apostólico, mediante um permanente serviço ao próximo.
Catequese de inspiração catecumenal adquire grande importância. Trata-se não de uma Catequese ocasional, como preparação para receber algum sacramento, mas continuada. Isso implica melhor formação dos responsáveis e um itinerário catequético permanente, assumido pela Igreja Particular, com a ajuda da Conferência Episcopal, que não se limite a uma formação doutrinal, mas integral. A Catequese de inspiração bíblica, mistagógica e litúrgica é condição fundamental para a iniciação cristã de crianças, bem como de adolescentes, jovens e adultos que não foram suficientemente orientados na  e nas obras inspiradas pela .
A inspiração catecumenal implica em uma estreita relação entre bíblia e Catequese. De fato, “a Catequese há de haurir sempre o seu conteúdo na fonte viva da Palavra de Deus, transmitida na Tradição e na Escritura, porque a ‘Sagrada Tradição e aSagrada Escritura constituem um só depósito inviolável da Palavra de Deus”. Ao mesmo tempo, a Catequese fornece uma adequada formação bíblica dos cristãos.
Essa mesma inspiração implica, também, uma estreita relação entre a Catequese e a liturgia. Ela assume o caráter de eco do mistério experimentado e vivenciado naliturgia e se abre para a missão: “a formação catequética ilumina e fortifica a , nutre a vida segundo o espírito de Cristo, leva a uma participação consciente e ativa no mistério litúrgico e desperta para a atividade apostólica”. Por sua vez, a celebração litúrgica, ao mesmo tempo que é atualização do mistério da salvação, requer, necessariamente, uma iniciação aos mistérios da . Neste contexto, sobressai a formação litúrgica, em todos os níveis da vida eclesial, num processo mistagógico,integrando na ação ritual o sentido teológico e litúrgico nela expresso. Nessa perspectiva, compreende-se que a melhor Catequese litúrgica é a liturgia bem celebrada.
pastoral da liturgia deve conjugar os esforços e as iniciativas necessárias paraanimar a vida litúrgica de uma comunidade, paróquia, diocese, levando em conta sua realidade histórica, cultural, eclesial, de modo que os cristãos possam tomar parte das celebrações de forma ativa, consciente e plena, e colher dela os frutos espirituais. Isto supõe:
a) formar permanentemente a assembleia litúrgica, dedicando especial atenção aos ministros ordenados e às equipes de celebração;
b) preparar as celebrações, respeitando-se as partes que compõem o rito;
c) realizar com dignidade e competência as ações celebrativas; d) avaliar a preparação e a realização em busca do crescimento na qualidade das celebrações.
As muitas manifestações da piedade popular católica precisam ser valorizadas e estimuladas e, onde for necessário, purificadas. Tais práticas têm grande significado para a preservação e a transmissão da  e para a iniciação à vida cristã, bem como para a promoção da cultura. “As expressões da piedade popular têm muito que nos ensinar e, para quem as sabe ler, são um lugar teológico a que devemos prestar atenção particularmente na hora de pensar a nova evangelização”.
O processo de iniciação à vida cristã requer grande atenção às pessoas, com atendimento personalizado. Trata-se de estabelecer um diálogo interpessoal, de reflexão sobre a experiência de vida e de seu verdadeiro sentido. É importante valorizar a experiência de vida de cada pessoa, ajudando-a a reconhecer a própria busca de Deus e a abrir-se à Sua presença e ação salvadora. É sempre necessário recordar que a pedagogia evangélica consiste na persuasão do interlocutor pelo testemunho de vida e por uma argumentação sincera e rigorosa, que estimula a busca da verdade.
A comunidade eclesial é o lugar da iniciação à vida cristã e da educação na  das crianças, adolescentes e jovens, como também dos adultos batizados e não suficientemente evangelizados. Junto com a comunidade eclesial, a família tem papel indispensável nesta iniciação.
A formação dos discípulos missionários precisa articular  e vida e integrar cinco aspectos fundamentais: o encontro com Jesus Cristo; a conversão; o discipulado; a comunhão; a missão. O processo formativo se constitui no alimento da vida cristã e precisa estar voltado para a missão, que se concretiza no anúncio explícito de Jesus Cristo, vida plena, para todos, em especial para os pobres. A formação não se reduz a cursos. Ela integra a vivência comunitária, a participação em celebrações e encontros, a interação com os meios de comunicação, a inserção nas diferentes atividades pastorais e espaços de capacitação, movimentos e associações.
A formação dos leigos e leigas precisa ser uma das prioridades da Igreja Particular; é “um direito e dever para todos”. Ela se torna mais efetiva e frutuosa quando integrada em um projeto orgânico de formação, que contemple a formação básica de todos os membros da comunidade e a formação específica e especializada, sobretudo para aqueles que atuam na sociedade, onde se apresenta o desafio de dar “testemunho de Cristo e dos valores do Reino”.

4.3. Igreja: lugar de animação bíblica
      da vida e da pastoral
A Igreja no Brasil deseja incrementar a animação bíblica da vida e da pastoralcom o envolvimento de toda a comunidade, pessoas, pastorais, movimentos, associações e serviço. A animação bíblica é indispensável para que a vida da Igreja seja, ainda mais, uma “escola de interpretação ou conhecimento da Palavra, escola de comunhão e oração com a Palavra e escola de evangelização e proclamação da Palavra”. Seus principais objetivos são: propiciar meios de aproximação das pessoas à Palavra de Deus, para conhecê-la e interpretá-la corretamente; entrar em comunhão e com a Palavra de Deus por meio da oração; evangelizar e proclamá-la como fonte de vida em abundância para todos.
A Igreja, casa da Palavra, valoriza a liturgia como âmbito privilegiado onde Deus fala à comunidade. Nela Deus fala e o povo escuta e responde. Cada ação litúrgica está, por sua natureza, impregnada da Escritura Sagrada.
Especial atenção merece a homilia que atualiza a mensagem da Bíblia de tal modo que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a eficácia da Palavra de Deus, no momento atual de sua vida. Ela pode ser “uma experiência intensa e feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de renovação e crescimento”.
Em todos os níveis da ação evangelizadora, sejam criadas e fortalecidas equipes de animação bíblica da pastoral. Essas equipes impulsionam a responsabilidade de todos batizados com relação à Palavra de Deus. Entre as atividades que se propõem sobressaem, em particular, aquelas que reúnem grupos de famílias, círculos bíblicos e pequenas comunidades em torno à meditação e vivência da Palavra, em estreita relação com seu contexto social, e os cursos e escolas bíblicas, voltados, sobretudo, para leigos(as).
Deparamo-nos com a necessidade de possuir a Bíblia. Nesse sentido, devem ser estimuladas iniciativas que permitam colocá-la nas mãos de todos, especialmente dos mais pobres. No entanto, não basta possuí-la. É necessário ajudar a ler e interpretar corretamente a Escritura, “chegar à interpretação adequada dos textos bíblicos e empregá-los como mediação de diálogo com Jesus Cristo”. O encontro com a Palavra viva exige a experiência de . Para isso, o católico precisa ser devidamente capacitado tanto no conteúdo bíblico quanto na pedagogia para iniciar e manter contato permanente com a Escritura.
Merece destaque a leitura orante, que favorece o encontro pessoal com Jesus Cristo, o Verbo de Deus. Seja, portanto, incentivada e reforçada, conforme as orientações da Igreja, de modo que proporcione comunhão com o Senhor e ilumine a realidade vivida pelos participantes, animando-os e despertando-os para o compromisso evangélico aserviço do Reino de Deus. Esta perspectiva deve orientar também a formação inicial e permanente dos ministros ordenados.
Considerando que a Bíblia encerra “valores antropológicos e filosóficos que influíram positivamente sobre toda a humanidade”, é importante favorecer o seu conhecimento “entre os agentes culturais, mesmo nos ambientes secularizados e entre os não crentes”, assim como nas escolas e universidades, sobretudo através da educação religiosa. Também se pode “estimular manifestações artísticas inspiradas na Sagrada Escritura, nas artes figurativas e na arquitetura, na literatura e na música”, acompanhadas de uma “sólida formação dos artistas”.
Importa utilizar o espaço “dos novos meios de comunicação social, especialmente a internet com inúmeras redes sociais, que constituem um novo fórum onde fazer ressoar o Evangelho”, cuidando para que o mundo virtual jamais substitua o mundo real, pois “o encontro pessoal permanece insubstituível”.
Investir na animação bíblica da vida e da pastoral, em agentes e equipes, leva à instituição e à formação continuada dos ministros e ministras da Palavra. Implica a “necessidade de cuidar, com uma adequada formação, do exercício do múnus de leitor na celebração litúrgica e de modo particular o ministério do leitorado, […] com capacitação não apenas bíblica e litúrgica, mas também técnica”.

4.4. Igreja: comunidade de comunidades
A Igreja no Brasil se compromete em acelerar ainda mais o processo de animação e fortalecimento de comunidades, que buscam intensificar a vida cristã por meio de autêntico compromisso eclesial. Em vista disto, a CNBB publicou o documento “Comunidade de comunidades: uma nova paróquia – a conversão pastoral da paróquia” (Doc. 100). Importa muito investir na descentralização das paróquias, seja iniciando experiências significativas, seja reconhecendo, no dia a dia das comunidades, o que já existe, atentos ao que afirma o Documento de Aparecida: ninguém pode se isentar de dar estes passos.
Entre as formas de renovação da paróquia está a urgência de sua setorização em unidades menores, com equipes próprias de animação e de coordenação, para favorecer a maior proximidade com as pessoas e grupos da e o nascimento de comunidades, pois valoriza os vínculos humanos e sociais. Assim, a Igreja se faz presente nas diversas realidades, vai ao encontro dos afastados, promove novas lideranças e a iniciação à vida cristã acontece no ambiente em que as pessoas vivem.
As comunidades eclesiais de base, as CEBs, alimentadas pela Palavra, pela fraternidade, pela oração e pela Eucaristia, são sinal de vitalidade da Igreja. São também presença eclesial junto aos pobres, partilhando as suas alegrias e angústias e se comprometendo na construção de uma sociedade justa e solidária. Também elas se deparam com os desafios da mudança de época e se veem desafiadas a não esmorecer, mas a discernir, na comunhão da Igreja, caminhos para enfrentar os desafios oriundos de um mundo plural, globalizado, urbanizado e individualista.
As diversas formas válidas de pequenas comunidades, de movimentos, de associações, de grupos de vida, de oração e de reflexão da Palavra de Deus “são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e setores”. Eles possibilitam a experiência da gratuidade dos relacionamentos e do compromisso missionário. Todos são convocados a se comprometerem com a paróquia local, a assumirem os planos pastorais de cada Igreja Particular, e, com elas, se unirem em torno das Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil.
pastoral vocacional se torna prioritária neste novo momento da história da evangelização, colaborando para suscitar e acompanhar vocações para o serviço da comunidade e para a atuação protico-transformadora na sociedade. Destaca-se em seu trabalho o cuidado com as vocações ao ministério ordenado e à vida consagrada e com a constante adequação da formação diaconal e presbiteral, inicial e permanente. Trata-se de suscitar e desenvolver uma verdadeira cultura vocacional nas comunidades, especialmente entre os adolescentes e jovens.
Para uma Igreja comunidade de comunidades, é imprescindível o empenho por uma efetiva participação de todos nos destinos da comunidade, pela diversidade de carismas, serviços e ministérios. Para isso, faz-se necessário promover:
a) a diversidade ministerial, na qual todos, trabalhando em comunhão, manifestam a única Igreja de Cristo, sejam eles leigosleigas, ministros ordenados, consagrados e consagradas. Urge aos pastores “abrir espaços de participação aos leigos e a confiar-lhes ministérios e responsabilidades, para que todos na Igreja vivam de maneira responsável seu compromisso cristão”. Entre as vocações laicais, é preciso valorizar especialmente as que brotam do matrimônio, como a de ser esposo e esposa, mãe, pai, filho e irmão. Não perder de vista, igualmente, que a missão fundamental de leigos e leigas é a presença e o testemunho na sociedade, especialmente nos ambientes de trabalho e em associações laicais;
b) a união dos presbíteros, diáconos, consagrados e leigos, sob a orientação do bispo diocesano, em torno das grandes metas evangelizadoras e dos projetos pastorais que as concretizam. Uma Igreja com diversas formas de ser comunidade deve ser igualmente uma Igreja que testemunha a comunhão de dons, serviços e ministérios;
c) o carisma da vida consagrada, em suas dimensões apostólica e contemplativa, presente em fronteiras missionárias; inserida junto aos pobres; atuante no mundo da educação, da saúde, da ação social; orante em mosteiros, comprometida a evangelizar por sua vida e missão;
d) a formação e a atuação de assembleias, conselhos comissões, tanto em âmbito pastoral como em âmbito econômico-administrativo. Os leigos, corresponsáveis com o ministério ordenado, atuando nessas assembleias, conselhos e comissões, tornam-se cada vez mais envolvidos na comunidade através do planejamento, execução e na avaliação de suas atividades. Estes organismos são instrumentos que levam à valorização dos diferentes serviços pastorais e podem ser um meio para evidenciar a necessidade de todos os membros da comunidade eclesial tornaram-se sujeitos corresponsáveis na ação evangelizadora;
e) a articulação das ações evangelizadoras, através da pastoral orgânica e de conjunto, para evitar o contratestemunho da divisão e a competição entre grupos. A articulação da diversidade de carismas e iniciativas de evangelização contribui para efetivar a unidade eclesial. Instrumento privilegiado de uma pastoral orgânica e de conjunto é o planejamento, com a participação de todos os membros da comunidade eclesial na projeção da ação evangelizadora, tanto no processo de discernimento, como na tomada de decisão e avaliação.
A efetivação de uma Igreja comunidade de comunidades com espírito missionário, manifesta-se também na bela experiência das paróquias-irmãs, dentro e fora da diocese, análoga ao mencionado projeto Igrejas-irmãs. A exemplo das primeiras comunidades, é importante estimular a experiência da partilha, principalmente através do dízimo. A constituição de um fundo diocesano de comunhão e partilha, expressão da comunhão eclesial da Igreja particular e da solidariedade entre suas comunidades, garante que a nenhuma comunidade falte o necessário.

4.5. Igreja a serviço da vida plena para todos
A Igreja, através de uma pastoral social estruturada, orgânica e integral, tem a vocação e missão de promover, cuidar e defender a vida em todas as suas expressões. Ao fazer isso, testemunha que “o querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem uma repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade”.
serviço à vida começa pelo respeito à dignidade da pessoa humana, através de iniciativas como:
a) defender e promover a dignidade da vida humana em todas as etapas da existência, desde a fecundação até a morte natural;
b) tratar o ser humano como fim e não como meio, respeitando-o em tudo que lhe é próprio: corpo, espírito e liberdade;
c) tratar todo ser humano sem preconceito nem discriminaçãoacolhendo, perdoando, recuperando a vida e a liberdade de cada pessoa, tendo presentes as condições materiais e o contexto histórico, social, cultural em que cada pessoa vive. Neste sentido, destaca-se a importância da Campanha da Fraternidade, que está entre as ações eclesiais de maior impacto na sociedade.
Um olhar especial merece a família, patrimônio da humanidade, lugar e escola de comunhão, primeiro espaço para a iniciação à vida cristã das crianças, no seio da qual, os pais são os primeiros catequistas. Tamanha é sua importância que precisa ser considerada “um dos eixos transversais de toda a ação evangelizadora”. Portanto, é preciso uma pastoral intensa, vigorosa e frutuosa, capaz de animar a vivência da santidade no matrimônio e na família, atendendo também as diversas situações familiares e reivindicando as condições socioeconômicas necessárias ao bem estar da pessoa, da família e da sociedade.
É preciso intensificar o empenho na defesa da dignidade das mulheres, das pessoas com deficiência e dos idosos. A consciência da igualdade de seus direitos e sua plena inclusão na sociedade precisam ser promovidas. Para a Igreja, o apoio a essas causas é um eloquente testemunho de sua  em Jesus Cristo e de seu compromisso com oReino de Deus, por Ele anunciado e mostrado presente entre nós.
Crianças, adolescentes e jovens precisam de maior atenção por parte de nossas comunidades eclesiais, pois são os mais expostos ao abandono, às drogas, à violência, à venda de armas, ao abuso sexual, ao tráfico humano, às várias forma de exploração do trabalho, bem como à falta de oportunidades e perspectivas de futuro. Em vista disso, é importante promover e apoiar a pastoral da sobriedade, a pastoral juvenil, apastoral do menor, a pastoral da criança. Neste contexto, é preciso acompanhar com atenção a discussão sobre a criminalização de menores e manifestar com clareza a posição da Igreja a respeito. Também as pessoas idosas, expostas ao risco da exclusão, precisam ser valorizadas em sua experiência e sabedoria, reconhecidas em sua dignidade e protegidas em seus direitos.
No âmbito da Economia, é necessário compartilhar as alegrias e preocupações dos trabalhadores e das trabalhadoras, por meio da presença evangélica, nos locais de trabalho, nos sindicatos, nas associações de classe e lazer. Através das diversas pastorais e movimentos ligados ao mundo do trabalho, urge lutar contra o desemprego e o subemprego, a precarização do trabalho e perda de direitos, criando ou apoiando alternativas de geração de renda, assim como a economia solidária, a agricultura familiar, a agroecologia, a reforma agrária, o consumo solidário, a segurança alimentar, as redes de trocas, o acesso ao crédito popular, o trabalho coletivo, a busca do desenvolvimento local sustentável e solidário.
Atenção especial merecem os migrantes forçados pela busca de trabalho e moradia:
a) os migrantes brasileiros no exterior, vivendo no meio de outras culturas e tradições, que precisam de amparo, apoio e assistência social e religiosa;
b) os migrantes sazonais, que constituem mão de obra barata e superexplorada pelo agronegócio em variadas formas;
c) as vítimas do tráfico de pessoas seduzidas por propostas de trabalho que levam à exploração também sexual;
d) os trabalhadores explorados pelos métodos de terceirização, vítimas de atravessadores de mão de obra;
e) os novos migrantes estrangeiros em busca de sobrevivência em nossa pátria, muitos se encontrando em situação de não cidadania e discriminação. É urgente o estabelecimento de estruturas nacionais e diocesanas destinadas não apenas a acompanhar os migrantes e refugiados, como também a se empenharem junto aos organismos da sociedade civil, para que os governos tenham uma política migratória que leve em conta os direitos das pessoas em mobilidade.
No âmbito da cultura, cabe promover uma sociedade que respeite as diferenças, combatendo o preconceito e a discriminação nas mais diversas esferas, efetivando a convivência pacífica das várias etnias, culturas e expressões religiosas, o respeito às legítimas diferenças. Torna-se urgente trabalhar pela criação e aplicação de mecanismos legais para o combate a qualquer forma de discriminação, mas sempre vigilantes para evitar a afirmação exasperada de direitos individuais e subjetivos, bem como a ideologia do multiculturalismo relativista. A Igreja, como mãe misericordiosa, deve ser a primeira a se interessar pela defesa dos direitos humanos. Deve estar atenta, porém, às eventuais manipulações ou distorções prejudiciais à vida plena. A ética dos direitos humanos exige que se garanta a vida plena em todas as dimensões da pessoa e para todas as pessoas da sociedade.
Neste particular, cabe apoiar as iniciativas em prol da inclusão social e o reconhecimento dos direitos das minorias, como os povos originários, indígenas, comunidades tradicionais, afrodescendentes, ciganos, pescadores, ribeirinhos, extrativistas, populações de rua e outros. Como Igreja “advogada da justiça e dospobres”, cabe-nos denunciar toda prática de discriminação e de racismo em suas diferentes expressões e apoiarmos as reivindicações pela defesa, reconhecimento e demarcação de seus territórios, na afirmação de seus direitos, sua cidadania, seus projetos e de sua cultura. 118. Tarefa de grande importância é a formação de pensadores e pessoas que estejam em níveis de decisão, evangelizando, com especial atenção e empenho, os “novos areópagos”:
a) um dos primeiros areópagos é o mundo universitário. Uma consistente pastoraluniversitária é necessária em todas as Igrejas Particulares. Quanto mais nos empenharmos em conscientizar e capacitar os leigos, a partir de sua própria profissão, para o diálogo  e razão, estaremos animando a sua vocação no mundo e, consequentemente, auxiliando na melhoria da sociedade;
b) outro urgente areópago é o mundo da comunicação. Tornam-se inadiáveis mais investimentos tecnológicos e qualificação de pessoal, para o uso adequado dos meios de comunicação; uma protica e abrangente pastoral da comunicação, garantindo a presença da Igreja no diálogo com a mentalidade e a cultura contemporâneas, à luz dos valores do Evangelho;
c) o terceiro areópago liga-se à presença pastoral junto aos empresários, aos políticos, aos formadores de opinião no mundo do trabalho, dirigentes sindicais e líderes comunitários, disponibilizando e formando pessoas que se dediquem a ser presença significativa nestes meios.
Cabe também incentivar a Pastoral da Cultura, viva e atuante, através de centros culturais católicos e de projetos que visem atingir os núcleos de criação e difusão cultural e a diversidade das culturas de cunho popular.
Num contexto cultural cada dia mais marcado pelo ceticismo diante do conhecimento da verdade em si e impregnado por sinais evidentes de irracionalidade, também midiática, a evangelização assume o desafio de aproximar a  e a razão, através do diálogo atento, atualizado e corajoso com as pessoas de hoje.
Ressalte-se a importância do cuidado da vida no planeta, dilapidado tanto ética quanto ecologicamente, pelo uso ganancioso e irresponsável dos recursos naturais. Nestes tempos de crescente consciência ecológica, a Igreja no Brasil alerta que, assim como os filhos e filhas de Deus sofrem desrespeito e ameaças, o planeta inteiro se depara, como nunca, com o risco de degradação talvez irreversível. exploração inescrupulosa e consequente devastação da Amazônia exige da Igreja no Brasil maior responsabilidade por esta macrorregião. Requer-se dobrado e mais organizado esforço e presença protica, valorizando as culturas locais e estimulando uma evangelização inculturada. O papa insiste em uma Igreja com “rosto amazônico” e quer “a formação de um clero autóctone”.
Importante campo de ação, hoje, é educar para a preservação da natureza e o cuidado com a ecologia humana, através de atitudes que respeitem a biodiversidade e de ações que zelem pelo meio-ambiente. Entre essas ações, destaca-se a preservação da água, patrimônio da humanidade, evitando sua privatização; do solo, combatendo o problema do lixo e da utilização de agrotóxicos; e do ar, especialmente atentos à questão da emissão de gases poluentes. O esforço por maior crescimento econômico deve ser orientado para o desenvolvimento sustentável.
Promova-se cada vez mais a participação social e política dos cristãos leigos e leigasnos diversos níveis e instituições, por meio de formação permanente e ações concretas. Com a crise da democracia representativa, cresce a importância da colaboração da Igreja no fortalecimento da sociedade civil, na luta contra a corrupção, bem como noserviço em prol da unidade e fraternidade dos povos, em especial na América Latina e Caribe.
Como cidadãos cristãos, cabe generoso empenho para que as comunidades e demais instituições e organizações católicas colaborem ou ajam em parceria com outras instituições privadas ou públicas, com os movimentos populares e entidades da sociedade civil, em favor da implantação e da execução de políticas públicas voltadas para a defesa e a promoção da vida e do bem comum, segundo a Doutrina Social da Igreja. Incentive-se, para tanto, a participação, ativa e consciente, nos Conselhos de Direitos e o empenho generoso na busca de políticas públicas que ofereçam as condições necessárias ao bem-estar de pessoas, famílias e povos.
A adesão ao Evangelho incentiva “todo o batizado a ser instrumento de pacificação e testemunha credível duma vida reconciliada”. A paz, fruto da justiça e do desenvolvimento integral de todos, pressupõe a participação em campanhas que busquem efetivar, com gestos concretos, a convivência pacífica, em meio a uma sociedade marcada por violência e banalização da vida.
Urge uma presença mais efetiva da Igreja, especialmente através das pastorais sociais, nas periferias existenciais, em regiões suburbanas e em situações de fratura social, tais como as favelas, os cárceres, as remoções forçadas, os moradores de rua, as crianças, adolescentes e jovens em situações de risco, a realidade da drogadicção, a mulher marginalizada, e outras situações de sofrimento humano.
O empenho da comunidade de  pela promoção humana e pela justiça social exige amplo e decidido esforço para educar a comunidade eclesial no conhecimento e na aplicação da Doutrina Social da Igreja, como decorrência da  cristã. A ética social cristã, contribuição da Igreja para a construção de uma sociedade justa e solidária, precisa ocupar lugar de destaque em nossos processos de formação e planos depastoral. Os documentos sociais do Magistério, o Compêndio de Doutrina Social da Igreja e outras orientações oficiais são referencial imprescindível para essa atuação.

ANEXO
CAPÍTULO V
INDICAÇÕES DE OPERACIONALIZAÇÃO
É preciso encontrar caminhos para as urgências serem colocadas em prática. É por isso que, desde as Diretrizes anteriores, tem-se dedicado um capítulo aos passos necessários para que cada Igreja local transforme as grandes metas em realidade e, com isso, a evangelização avance cada vez mais.
Nosso país apresenta uma variedade de contextos. As Diretrizes são um farol a iluminar o caminhar da Igreja em todos eles. Cabe, portanto, a cada realidade local, a começar pelos Regionais da CNBB e pelas Dioceses, transformar as Diretrizes em planos pastorais.
Planos são o conjunto de atividades articuladas entre si para se chegar a um objetivo, no caso, o indicado pelas Diretrizes. Sem um plano, os sonhos não conseguem tocar o chão da realidade.
As Diretrizes respondem à questão: aonde precisamos chegar? Os planos respondem a outras questões: como (passos ou etapas), quem (responsáveis), com o quê (recursos) equando (prazos). É a partir da articulação entre estes itens que surgem os planos. Sem respostas adequadas a estes itens, os planos não saem do papel. A experiência eclesial aponta para a necessidade de alguns passos de operacionalização dos planos.
primeiro passo implica a constituição dos organismos que vão diretamente trabalhar na elaboração do plano de pastoral. Através de uma boa articulação, será necessário não apenas constituir a comissão central organizadora do plano, mas também diversos outros organismos que permitam ampliar a participação. Por isso, já nos primeiros momentos de elaboração do plano, é necessário pensar nos conselhos, nas comissões específicas e principalmente nas assembleias.
segundo passo é a resposta a uma única pergunta: compreendemos realmente o que as Diretrizes nos pedem? Esta questão é fundamental porque, se não tivermos clareza de onde necessitamos chegar, como iremos planejar o itinerário? Torna-se, portanto, indispensável gastar um tempo estudando as Diretrizes, buscando compreender cada uma das urgências e os motivos pelos quais elas foram escolhidas.
terceiro passo consiste em perceber até que ponto as Diretrizes anteriores foram realmente seguidas, até que ponto o plano pastoral ainda em vigor foi efetivamente cumprido. Realizamos o que foi planejado? Que motivos nos permitiram chegar até onde chegamos? E que motivos nos impediram de chegar até o planejado?
quarto passo consiste em identificar onde honestamente nos encontramos, tanto no âmbito eclesial quanto no social. Como planejar um caminho se não possuímos efetiva clareza do ponto em que estamos e do quanto é necessário ser percorrido para se chegar aonde devemos? É preciso discernir os desafios locais dessas urgências.
quinto passo consiste na mobilização do maior número de pessoas. Se a alguns cabe a tarefa de conduzir o processo de planejamento, a todos cabe a responsabilidade e a alegria de contribuir. É preciso ouvir os mais diretamente engajados nas atividades pastorais, os que frequentam nossas comunidades apenas aos domingos ou em ocasiões específicas, os irmãos e irmãs que seguem Jesus Cristo em outras confissões cristãs e os que buscam a Deus na sinceridade de seus corações. É preciso ouvir também os que rejeitam a Cristo, pois, em seus argumentos, profundas interpelações e intuições podem emergir.
sexto passo exige a tomada de algumas decisões que se referem ao modo como o plano vai se desenvolver. A escolha do termo urgências não foi sem motivo. Significa que, sem a concretização das mesmas, a ação evangelizadora não se dará com a intensidade desejada. Diante da urgência, decisões precisam ser tomadas, deixando de lado alguns hábitos e prioridades importantes no passado, mas que, em nossos dias, não cumprem mais sua função.
sétimo passo é amplo e desafiador, pois é nele que se constroem os programas e os projetos. É aqui que se responde às questões bem concretas de comoonde, quemcom quem, com o quê quando. Não se trata apenas de organizar um calendário de atividades, um cronograma de ações ou uma agenda, mas de discernir quais atividades realmente ajudam a concretizar as Diretrizes e, se for o caso, quais as que nem devem mais entrar no conjunto de atividades que comporão o próximo plano. É preciso ter coragem para ousar, construir, realizar e largar.
Por fim, o oitavo passo envolve o acompanhamento da execução do plano. Não há como construir um plano de pastoral e acreditar que, por si, ele seja forte o suficiente para se fazer realizar. É indispensável estabelecer, no plano, os instrumentos que acompanharão o seu cumprimento, fazendo contínua revisão e até mesmo adequação dos rumos. Entre estes instrumentos, destacam-se as equipes e as estruturas guardiãs do plano, em geral as coordenações diocesanas e locais, com especial atenção para as assembleias periódicas onde, ouvindo-se significativa representação do Povo de Deus, se verifica o cumprimento ou não do que foi estabelecido no plano.
Planejar a pastoral não é um processo meramente técnico. É uma ação carregada de sentido espiritual. Por isto, todo processo precisa ser rezado, celebrado e transformado em louvor a Deus.

CONCLUSÃO

As DGAE 2015-2019 são oferecidas como referencial para o processo de planejamento pastoral das Comissões Episcopais Pastorais e Regionais da CNBB, para as Dioceses e outros organismos eclesiais. Respondendo aos desafios locais a partir das urgências e perspectivas de ação, possa a Igreja no Brasil continuar dando o testemunho da comunhão na diversidade que caracteriza a Igreja.
Confiamos à Mãe Aparecida o generoso esforço que será feito para a aplicação destas Diretrizes, como também os frutos que delas são esperados. Elas nos oferecem uma valiosa “chave de leitura para a missão da Igreja” no Brasil. Na fragilidade dos meios que dispomos, a presença atuante do Espírito Santo nos anima na missão evangelizadora, tornando possível a comunhão, fazendo crescer a  e multiplicando os frutos de sua graça. A proximidade do terceiro centenário do encontro da imagem de Nossa Senhora Aparecida, nos convida a “não desaprender” nem esquecer a lição e a mensagem de Aparecida: “As redes da Igreja são frágeis, talvez remendadas; a barca da Igreja não tem a força dos grandes transatlânticos que cruzam os oceanos. E, no entanto, Deus quer se manifestar justamente através de nossos meios, meios pobres, porque é sempre Ele quem está agindo”. Nele nós confiamos! “Pela sua palavra” (Lc 5,5), lançaremos as redes!