Descendo aos porões sociais
A
realidade prisional no Brasil nunca foi tão grave como em nossos dias.
Constata-se uma superpopulação encarcerada em todos os estados do Brasil. Em
alguns estados – como em São Paulo, por exemplo - existe o encarceramento em
massa. O país não tem tido a devida preocupação com a realidade carcerária e
suas implicações para a sociedade e a segurança pública. Os limitados espaços
físicos das prisões se tornaram ambientes insuportáveis para a convivência,
propícios a atos e violência entre os detidos ou praticados pelo Estado. A
chamada reinserção, ou ressocialização, não passa de um discurso vazio dos
governantes.
Uma
nova escravidão
O
tratamento é cruel, desumano e degradante. A prisão parece ser uma nova forma
de escravidão e de morte. Faz-se necessário dizer que o indivíduo preso também
é gente, tanto quanto era preciso afirmar, na época da escravidão, que o negro
é gente. O Brasil assinou tratados internacionais sobre o problema, mas tem o
vício de descumpri-los.
A
comunidade carcerária é composta de jovens pobres, provenientes das periferias
de nossas cidades. Em geral vitimados pelas drogas, inúmeros dentre eles são
punidos por serem dependentes químicos que, para manter o vício, haviam
cometido algum crime de bagatela. Uma vez detidos, superlotam as prisões sem
direito à defesa.
Vítimas,
sempre
As
Defensorias Públicas não chegam e, onde existem, funcionam de forma precária,
pois os detentos não podem pagar um bom advogado. As Varas de Execução estão
abarrotadas de processos e o detento fica à mercê de um processo que não anda;
por isso, quem está confinado na prisão passa também a ser vítima de muitas
injustiças de natureza legal.
A
expectativa principal da pessoa presa é sair da prisão, retornar para a família
e conseguir um trabalho para sobreviver. Mas incontáveis são os que já não têm
vínculos familiares. Assim, esse desejo raramente se materializa, pois as
oportunidades reais são remotas. Por isso, a reincidência no crime é tão alta
no país. Para muitos egressos a liberdade pode ser sinônima de morte, devido
aos antigos desafetos. Poucos conseguem sobreviver e retomar a vida. O próprio
Estado não os acompanha no processo de inclusão social, como também dele se
omite a própria sociedade.
“Eu
estava preso e fostes me visitar”
A
Pastoral Carcerária atua em todos os estados do Brasil. Em cada estado, ela tem
a própria organização a partir de coordenações locais. Conta também com o apoio
de uma coordenação nacional.
O
trabalho obedece ao que Jesus disse: “Eu estava preso e fostes me visitar” (Mt
25, 36). Esta expressão é o grande fundamento da nossa ação pastoral nas
prisões. A visita é sempre um momento para escutar quem não é ouvido, a não ser
por familiares. Mas muitos entre eles e elas não recebem visita familiar.
Portanto, a visita da Pastoral Carcerária é sempre muito esperada e desejada
pelos confinados exatamente por ser a oportunidade de um contato humano. Cada
unidade prisional mantém atividades durante a visita da pastoral, como
atendimento individual, grupos de reflexão, celebrações eucarísticas, etc.
Ele
e ela também estão na prisão
Definimos
a Pastoral Carcerária como sendo a presença da Igreja no mundo do cárcere. Uma
presença cada vez mais necessária na difícil realidade prisional. Uma presença
gratuita e solidária. Vamos ao encontro de Jesus que lá também se encontra
preso. Como o ressuscitado é o que foi crucificado, Jesus é sempre o mesmo:
doente, preso, estrangeiro, faminto, sedento. Vamos ao seu encontro nas prisões
mundo afora.
Pedras
no caminho
Enquanto
pastoral, deparamo-nos com bloqueios. Ainda perdura a mentalidade, por parte do
Estado, de ser o “dono” dos encarcerados e, por isso, no “direito” de mantê-los
segregados, afastados do convívio social. Nessa perspectiva, por vezes a
autoridade tenta impedir o acesso dos grupos de pastoral, colocando-lhes
obstáculos, com a alegação de que “é perigoso fazer a visita”. Temos lutado
contra este e outros obstáculos, para que seja garantido o direito legal à
assistência religiosa, direito que não pode ser impedido.
Utopia?
Bom
seria se tivéssemos um mundo sem prisões. Enquanto isso não acontecer,
continuamos a lutar para que a pessoa presa possa ser tratada com dignidade e
que se diminua continuamente a população confinada. Esperamos que os pobres não
sejam cada vez mais criminalizados, como de fato são. Não existe uma séria
política para a inclusão social, mas há uma clara política para o
encarceramento. Esperamos que a Lei de Execução Penal possa ser realmente
aplicada no país.
Nossa
esperança é que cada pessoa possa cumprir a sua pena de forma justa. E que as
penas alternativas e as alternativas penais sejam colocadas em prática, para
que se possa reduzir o imenso número de pessoas reclusas.
Bons
ventos
A
atuação da pastoral carcerária vem influenciando positivamente nas iniciativas
para a melhoria do sistema penitenciário no país. No diálogo com órgãos
federais ligados ao Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério
da Justiça, vemos mudanças a respeito da Assistência Religiosa, do Comitê
Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, das Ouvidorias para o Sistema
Penitenciário de cada Estado, como também percebemos um grande movimento
nacional contra a prática da revista vexatória de familiares, sobretudo em
mulheres, tratadas com total desrespeito, criminalizadas, despidas, obrigadas a
se agacharem em um espelho, como condição para visitar familiares.
Junto
com as famílias dos detidos, a Pastoral Carcerária é o único grupo que tem esse
amplo conhecimento da realidade carcerária. Portanto, muito contribui no âmbito
nacional para as melhorias do sistema prisional do Brasil.