Conferência Nacional dos Bispos do Brasil 53ª
Assembleia Geral Aparecida – SP.
15 a 24 de abril de 2015
OBJETIVO GERAL
EVANGELIZAR, a partir de Jesus Cristo e na força do Espírito Santo, como Igreja discípula, missionária e
profética, alimentada pela Palavra de Deus e pela
Eucaristia, à luz da evangélica opção preferencial pelos pobres, para que todos tenham vida, rumo ao Reino
definitivo.
INTRODUÇÃO
A CNBB, com as presentes Diretrizes Gerais da Ação
Evangelizadora (DGAE) – 2015-2019, prossegue a sua história de promoção
da pastoral orgânica de conjunto no Brasil.
Na sua Assembleia Ordinária de 2014, a CNBB decidiu
dar continuidade às Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora 2011-2015,
atualizando-as à luz da Exortação apostólica do Papa Francisco sobre a alegria
do Evangelho. A continuidade foi motivada pela necessidade de dar
prosseguimento ao processo de aplicação do Documento de Aparecida, que é a
principal referência das Diretrizes 2011-2015. O renovado empenho missionário
que a Conferência de Aparecida nos pede e o amplo processo de “conversão pastoral” que ela propõe, estão em pleno curso. Além
disso, a revisão das DGAE à luz da Alegria do Evangelho mostrou-se igualmente
necessária. O Papa Francisco apresentou a sua Exortação indicando caminhos para
o percurso da a Igreja nos próximos anos e convocou toda a Igreja a “avançar no
caminho da conversão pastoral e missionária”, a
“não deixar as coisas como estão” e a se “constituir em estado permanente
de missão”. A recepção da carta do Papa Francisco pela
Igreja no Brasil reforça e aprofunda as grandes opções da Conferência de
Aparecida assumidas pela CNBB, em suas diretrizes para ação evangelizadora. A
celebração do Ano Santo da Misericórdia (08/12/15 a 20/11/16) nos convidam a
prosseguir no caminho da renovação pastoral, no
contexto de uma nova evangelização, com novo ardor missionário e
criatividade pastoral.
Com renovada consciência de que a evangelização
continuamente parte da contemplação de Jesus Cristo presente
em sua Igreja e se desenvolve em diálogo com os contextos em que se realizam,
estas Diretrizes são oferecidas a todas as Igrejas particulares do Brasil e
demais organismos eclesiais. Que elas possam contribuir para que a “alegria do
Evangelho” renove profundamente nossas comunidades e anime continuamente nosso
entusiasmo missionário.
CAPÍTULO I
PARTIR DE JESUS CRISTO
1 – A Igreja vive de Cristo
Jesus Cristo é a fonte de tudo o que a Igreja é e
de tudo o que ela crê. Em sua missão evangelizadora,
ela não comunica a si mesma, mas o Evangelho, a palavra e a presença
transformadora de Jesus Cristo, na realidade em que
se encontra. Ela é a comunidade dos discípulos missionários, que respondem permanentemente à pergunta
decisiva: quem é Jesus Cristo? (Mc 8,27-29). O
fundamento do discipulado missionário é a contemplação de Jesus Cristo. Como afirma o Papa Francisco, “a melhor
motivação para se decidir comunicar o Evangelho é contemplá-lo com amor, é
deter-se nas suas páginas e lê-lo com o coração”. Na comunhão eclesial, eles
experimentam o fascínio que faz arder seus corações (Lc 24,32), e os leva a
tudo deixar (Lc 5,8-11) e a viver um amor incondicional a Ele (Jo 21,9-17). A
paixão por Jesus Cristo os leva à
verdadeira conversão pessoal e pastoral (Lc
24,47; At 2,36ss).
A Igreja, fiel a Jesus Cristo,
coloca-se a serviço do Reino de Deus. Os evangelhos apresentam o Reino como o
centro da vida e da pregação de Jesus. “Completou-se o tempo e o Reino de Deus está próximo. Arrependei-vos e crede
no Evangelho” (Mc 1,15). Afirmar que o Reino de Deus está
próximo é anunciar que Deus mesmo está próximo. Seu reinado significa sua
atuação salvadora e sua proximidade paterna e misericordiosa para com todos,
especialmente para com os pobres,
marginalizados e sofredores de todo tipo. Por isso, a pregação e a conduta de
Jesus suscitaram surpresa, fascínio e entusiasmo, mas despertaram também
suspeitas, fechamento, escândalo e ódio. O Reino de Deus não
é apenas a mensagem de Jesus. Ele mesmo é a chegada desse Reino. Sua mensagem e
sua pessoa são inseparáveis. Nele, o Reino é dado gratuitamente (Mt 21,34; Lc
12,32), é deixado em herança (Mt 25,34; Lc 22,29). Cabe ao discípulo acolhe-lo
por meio da conversão e da fé (Mc 1,15).
Como afirma o Papa Francisco, “o primado é sempre de Deus”, “a verdadeira
novidade é aquela que o próprio Deus misteriosamente quer produzir”, “a
iniciativa pertence a Deus”.
Neste sentido, a Igreja no Brasil se alegra com a
proclamação do Ano Santo da Misericórdia. “Na Sagrada Escritura […]
a misericórdia é a palavra-chave para indicar o agir de Deus para conosco. Ele
não se limita a afirmar o seu amor, mas torna-o visível e palpável” em seu
Filho Jesus, que é “o rosto da misericórdia do Pai”. Por isso, “a Igreja tem
a missão de anunciar a misericórdia de Deus, coração
pulsante do Evangelho, que por meio dela deve chegar ao coração e à mente de
cada pessoa”, especialmente atenta “àqueles que vivem nas mais variadas
periferias existenciais”.
A experiência do encontro transformador com Jesus Cristo insere seus discípulos na comunhão com a Santíssima Trindade e lhes comunica a missão de anunciar o Reino de Deus,
com palavras e sinais. A Igreja existe no mundo como obra das três Pessoas
divinas, é povo de Deus (em relação ao Pai), corpo e esposa de Cristo (em
relação ao Filho) e templo vivo (em relação ao Espírito
Santo). Ela é “o povo unido pela unidade do Pai e do Filho e
do Espírito Santo”. Como comunhão (koinonia)
divino-humana ela “constitui na terra o germe e o início do Reino”, pois Jesus
a iniciou “pregando a boa nova, que é a chegada do Reino de Deus. E, desse modo, ela é no mundo sacramento
de salvação, como afirmou o Concílio Vaticano II: Jesus Cristo, “ao ressuscitar dentre os mortos (Rm
6,9), comunicou seu Espírito vivificante, por meio do qual constituiu seu
corpo, que é a Igreja, como sacramento universal de salvação”.
2 – Igreja: lugar de encontro com Jesus
Cristo
É na comunhão eclesial que o discípulo missionário,
ao contemplar Jesus Cristo, descobre o Verbo que
arma sua tenda entre nós, o Filho único do Pai, cheio de amor e fidelidade (Jo 1,14);
aquele que, sendo rico, se fez pobre para a todos enriquecer (2Cor 8,9), sendo
de condição divina, não se fecha em si mesmo, mas se esvazia até a morte e
morte de cruz (Fl 2,5ss) e não tem sequer onde reclinar a cabeça (Mt 8,20). Ele
está sempre a caminho para anunciar o Reino, a graça, a justiça e a
reconciliação (Lc 4,43). Ele se preocupa com as ovelhas que não fazem parte do
rebanho (Jo 10,16), mesmo que seja uma única ovelha perdida, sofrida (Lc
15,4-7), para reanimá-las diante da dor e da desesperança (Lc 24,13-35). Deus
se comunica conosco por meio de sua Palavra que éJesus Cristo, Verbo
feito carne. É este mesmo Jesus que virá, um dia, em sua glória, para julgar os
vivos e os mortos (Mt 25,31-46).
O encontro com Jesus enche a vida de alegria, convida
à conversão e ao discipulado missionário.
“No início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o
encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte
e, desta forma, o rumo decisivo”. Por sua vez, este encontro é mediado pela
ação da Igreja, que se concretiza em cada tempo e lugar, de acordo com o jeito
de ser de cada povo, de cada cultura. A descoberta do amor de Deus manifestado
em Jesus Cristo, dom salvífico para toda a humanidade, não
acontece sem a mediação dos outros (Rm 10,14). “Aqui está a fonte da ação
evangelizadora. Porque, se alguém acolheu este amor que lhe devolve o sentido
da vida, como é que pode conter o desejo de o comunicar aos outros?”. “A
primeira motivação para evangelizar é o amor que recebemos de Jesus, a
experiência de sermos salvos por Ele, que nos impele a amá-lo cada vez mais”.
“A fé não nasce de
uma decisão pessoal, mas de um encontro com uma pessoa” (Bento XVI, Discurso
inaugural de Aparecida, 315). E por ser encontro pessoal é também
“decidir estar com o Senhor, para viver com Ele. E este ‘estar com
Ele’ introduz na compreensão das razões pelas quais se acredita”. Devido ao
respeito pelo interlocutor e pela liberdade que o ato de fé exige, é que este diálogo fé e razão é necessário. Ele se faz ainda mais
urgente no contexto da nova evangelização, desafiado por “sentimentalismos
efêmeros e emocionalismo insaciável”.
3 –Atitudes fundamentais do discípulo
missionário
O discípulo missionário encontra nas atitudes
de alteridade e gratuidade as
marcas que configuram sua vida à de Jesus Cristo, que,
“sendo rico, se fez pobre para nos enriquecer com sua graça” (2Cor 8,9) e que veio “para servir e dar a vida em
resgate por muitos” (Mt 20,28). Aí se encontram a fonte
de duas atitudes fundamentais. Alteridade se
fundamenta na encarnação e se refere ao outro, ao próximo, àquele que, em Jesus Cristo, é meu irmão ou minha irmã, mesmo estando
do outro lado do planeta. As diferenças convidam ao respeito mútuo, ao
encontro, ao diálogo, à partilha e ao intercâmbio de vida e à solidariedade. O cristão vive a gratuidade, que encontra no mistério pascal sua máxima
expressão e sua fonte permanente. A vida só se ganha na entrega, na doação.
“Quem quiser perder a sua vida por causa de mim a encontrará!” (Mt 10,39).
Gratuidade significa amar, em Jesus Cristo, o
irmão e a irmã, respondendo, através de atitudes fraternas e solidárias, a
grande questão: “quem é o meu próximo?” (Lc 10,29), querendo e fazendo bem ao
outro sem nada esperar em troca. Ainda mais, Jesus se declara presente nos
sofredores e, o que é feito ou negado a eles, declara feito ou negado a Si
mesmo, fazendo do amor-serviço o critério do
julgamento (Mt 25,31-46). Com essas atitudes, corta-se a raiz mais profunda da
violência, da exclusão, da exploração e de toda discórdia.
Com as atitudes de gratuidade e alteridade,
expressões do Amor, os discípulos missionários promovem justiça, paz, reconciliação e fraternidade. Desse
modo, oferecem à sociedade atual o testemunho do
perdão e da reconciliação (Lc 23,34), que devem ser incessantemente
testemunhados e transmitidos (Mt 18,21-22) em um contexto de crescente
violência. A radicalidade do amor de Deus atinge sua extrema manifestação no
amor aos inimigos. A reconciliação supera toda divisão que nos afasta de Deus e
nos separa uns dos outros. Os discípulos missionários, ao contemplar o Crucificado Ressuscitado
reconhecem que a loucura e o escândalo (1Cor 1,18.21) do Reino de Deus chegam a seu ápice na reconciliação
(Rm 5,6-8; Lc 23,34). Diante de graves situações que fazem os irmãos sofrerem,
os discípulos se enchem de compaixão, clamam por
justiça e paz e sabem que só se vence o mal com o bem (Rm 12,17-21). Motivados
pela atitude de constante ida ao encontro do outro, contemplam a realidade,
encarnando-se nela, discernindo os sinais do Reino de Deus e
trabalhando para que ele cresça cada vez mais.
4 – A Igreja “em saída”
Ser verdadeiro discípulo missionário exige o vínculo efetivo e afetivo com a comunidade dos que
descobriram fascínio pelo mesmo Senhor. Ele sabe que exerce sua missão na Igreja, “em saída”. “Naquele ‘ide’ de
Jesus, estão presentes os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja, e hoje todos
somos chamados a esta nova ‘saída’ missionária”. O papa Francisco afirma:
“prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas
estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às
próprias seguranças. Por isso ela sabe ir à frente, tomar a iniciativa sem
medo, ir ao encontro, procurar os afastados e chegar às encruzilhadas dos
caminhos para convidar os excluídos. Vive um desejo inesgotável de oferecer
misericórdia”. A saída exige “prudência e audácia”, “coragem” e “ousadia”.
A Igreja, “Mãe de coração aberto”, “casa aberta do
Pai”, conclama a todos para reunir-se na fraternidade, acolher a Palavra,
celebrar os sacramentos e sair em missão, no testemunho, na solidariedade e
no claro anúncio da pessoa e da mensagem de Jesus Cristo. Na Igreja, o fiel encontra a força de uma
união que ultrapassa raças, condições econômico-sociais, preconceitos,
discriminações (Gl 3,28). A unidade de todos, em meio à diversidade de
dons, serviços, carismas e ministérios, testemunha o amor
trinitário do Pai, pelo Filho, no Espírito.
Viver o encontro com Jesus Cristo implica necessariamente amor,
gratuidade, alteridade, unidade, eclesialidade, fidelidade, perdão e
reconciliação. Torna o o cristão firmemente enraizado e
edificado em Jesus Cristo (Ef 3,17; Cl 2,7), à
semelhança da casa que se constrói sobre a rocha (Mt 7,24-27). Com Jesus, somos
chamados a viver uma “intimidade itinerante”, que é partilha da sua vida, da
sua missão e dos seus sentimentos (Fl 2,5). A Igreja
vive sua fidelidade a Cristo e ao Evangelho nos contextos em que se
encontra. O povo de Deus “se encarna nos povos da Terra”. “Uma fé autêntica, que nunca é cômoda nem individualista,
comporta sempre um profundo desejo de mudar o mundo, transmitir valores, deixar
a terra um melhor depois da nossa passagem por ela”.
CAPÍTULO II
MARCAS DE NOSSO TEMPO
Como o Filho de Deus assumiu a condição humana,
nascendo e vivendo como membro de um determinado povo e em uma realidade histórica (Lc 2,1-2), seus discípulos, fiéis a Ele, anunciam o Evangelho à luz da
pessoa, da vida e da palavra de Jesus Cristo, Senhor
e Salvador. Assim, testemunham o Evangelho acolhendo as alegrias e esperanças,
tristezas e angústias do homem de hoje, especialmente dos mais pobre. Os discípulos missionários sabem
que evangelizam “também procurando enfrentar os diferentes desafios que podem
se apresentar”, e que, para isto, devem conhecer a realidade à sua
volta, atentos aos sinais dos tempos e, em atitude de discernimento,
nela mergulhar iluminados pela fé.
“Evangelizar é, em primeiro lugar, dar testemunho”. A Igreja no Brasil tem sido testemunha do
Evangelho da vida e da promoção da justiça e da paz e acompanha com atenção a realidade cultural, econômica
e política da sociedade brasileira, especialmente atenta aos pobres, que, tendo de lutar para viver e muitas vezes
com “pouca dignidade”, são a maioria da população e “vivem seu dia a dia
precariamente”.
Os elementos do contexto em que a Igreja vive e age
são aqui apresentados e interpretados numa perspectiva pastoral,
na linha do discernimento evangélico. Em grande parte, são condicionados pela
conjuntura cultural e econômica mundial. Assumem características comuns em todo
o território nacional, mas é em cada local que abrem possibilidades novas e
fazem sentir o peso de seus limites e distorções. Por isso, cada comunidade é
convidada a conhecer bem os desafios locais, entre os quais tem que viver e com
os quais tem que interagir no cumprimento de sua missão.
Contexto atual: mudança de época
Vivemos uma época de transformações profundas. Não
se trata de “época de mudanças”, mas de uma “mudança de época”. São
tempos nos quais se constatam avanços e conquistas no
mundo das ciências e da técnica, que proporcionam conforto e bem-estar.
Constatam-se também avanços em vários âmbitos da sociedade: a promoção da
mulher; a valorização das minorias étnicas; o destaque à justiça, à paz e à
ecologia; a consciência da importância dos movimentos sociais e dos direitos à
educação e à saúde; iniciativas para a superação da miséria e da fome.
O fenômeno da globalização, embora
atinja todos os recantos do planeta, não se restringe ao âmbito geográfico, mas
produz transformações que atingem todos os setores da vida humana. Vive-se sob
o imperativo da racionalização técnico-cientifica, voltada para a
produtividade, o consumo e o lucro, que representam, muitas vezes, hipotecas
pesadas para a natureza e as futuras gerações. O que até bem pouco tempo era
tido como referências seguras, orientações determinantes para viver e conviver,
se tornou insuficiente para responder às novas situações com seus desafios.
Riscos e consequências de uma mudança
de época
Mudanças de época, de fato, afetam os critérios de
compreensão, os valores mais profundos, a partir dos quais se afirmam
identidades e se estabelecem ações e relações. Além disso, constata-se o
aumento progressivo do relativismo, a ausência de referências sólidas, o
excesso de informações, a superficialidade, o desejo a qualquer custo de
conforto e facilidades, a aceleração do tempo, trazendo desafios existenciais e
produzindo incertezas, precariedade, insegurança, inquietação. Surgem ou se
agravam tendências desafiadoras como o individualismo, o
fundamentalismo, o relativismo e diversas formas de unilateralismos. A
atual crise cultural atinge, de modo particular, a família.
“Difunde-se a noção de que a pessoa livre e autônoma precisa se libertar da
família, da religião e da sociedade”. Fortes ideologias apresentam, por
exemplo, noções confusas da sexualidade, do matrimônio e da família. Estas
tendências desdobram-se em outras tantas como: o laicismo militante, com
posturas fortes contra a Igreja e a Verdade do Evangelho; a negação da Cruz e
de sua força redentora; a irracionalidade da chamada cultura midiática (meios
de comunicação); o amoralismo generalizado; as atitudes de desrespeito diante
do povo, especialmente para com os mais frágeis; uma compreensão de economia
que não considera a pessoa humana e os anseios do povo.
No campo social e econômico,
os critérios que regem o mercado regulam também as relações humanas. Crescem as
ofertas de felicidade, realização e sucesso pessoal, em detrimento do bem comum
e da solidariedade, desconsiderando as atitudes altruístas,
solidárias e fraternas. Os pobres são
considerados supérfluos e descartáveis, ‘resíduos e sobras’. Preocupa-nos o
avanço de empreendimentos imobiliários, agropecuários e de mineração sobre os
territórios dos povos indígenas, quilombolas e pescadores artesanais, gerando
processos de degradação ambiental, que ameaçam a sobrevivência desses povos.
Ficam assim comprometidos o cuidado pela vida, o equilíbrio social, a
preservação da natureza, o acesso à terra para trabalho e renda, entre outros
fatores. Trata-se de uma economia caracterizada pela “negação da primazia do
ser humano”, e, por isso, pela exclusão e pela desigualdade social, geradora
uma cultura do bem-estar e do descartável e uma globalização da indiferença. Em
termos evangélicos, o discípulo sabe que se trata de uma “nova idolatria do
dinheiro” sustentada pela ideologia da autonomia absoluta dos mercados
comandada pela especulação financeira. Sabe que é preciso dizer “não a um
dinheiro que governa em vez de servir”.
Em consequência, surgem práticas preocupantes de banalização da vida, tais
como: a manipulação de embriões, práticas abortivas e tantas outras mortes
absurdas; ausência de políticas públicas para uma vida digna com educação,
saúde, segurança, trabalho, lazer, moradia; de efetiva proteção à vida e à
família, às crianças e aos adolescentes, aos jovens e aos idosos e às pessoas
com deficiência. A banalização da vida traz consigo a violência. Verdadeiro
“câncer social”, a corrupção agrava a situação e gera, em muitos, atitudes de
desconfiança e descrédito nas possibilidades de mudança. É preciso transformar a sociedade, repensar a função do
Estado e redescobrir os valores éticos, para a superação da corrupção, da
violência, do narcotráfico, bem como do tráfico de pessoas e de armamentos.
Em razão da hegemonia que a economia exerce sobre a
cultura atual, é preciso discernir a origem profunda da
atual crise econômico-financeira. À luz da dignidade humana, ela se revela como
uma crise antropológica: reduz a pessoa humana a uma de suas necessidades, o
consumo. À luz da fé cristã, ela se caracteriza
como rejeição da ética e de Deus.
No âmbito religioso,
constata-se um forte pluralismo, no qual se encontram, muitas vezes, práticas
marcadas por fundamentalismo, emocionalismo e sentimentalismo. Isto por um
lado, resulta de uma reação contra a sociedade materialista, consumista e
individualista, procurando preencher o vazio deixado pelo racionalismo
secularista e, por outro, se aproveita das carências da população. Tais
movimentos religiosos favorecem a manipulação da mensagem do Evangelho.
Exclui-se assim a salvação em Cristo, que passa a ser apresentada como sinônimo
de prosperidade material, saúde física e realização afetiva. Existe também uma
corrente secularista que mundialmente invade a sociedade, produzindo negação da
transcendência, indiferença religiosa e generalização do relativismo. Estes
fatores contribuem para a diluição do sentido de pertença eclesial e do vínculo
comunitário, dificultando a iniciação à vida cristã e o compromisso com a
evangelização e a transformação social.
No âmbito católico, um considerável número de
pessoas se afasta, por diferentes razões, da comunidade eclesial, sinal da
“crise do compromisso comunitário”. Constata-se, em algumas comunidades,
situações que interpelam a ação evangelizadora: a persistência de uma pastoral de manutenção em detrimento de uma pastoral decididamente missionária; a compreensão
da comunidade como mera prestadora de serviços religiosos
do que lugar de vivência fraterna da fé; a passividade do
laicato do que o engajamento nas diversas instâncias da vida social; a
concentração do clero em determinadas áreas do que à efetiva solidariedade eclesial; a tendência de
centralização excessiva do que ao exercício da comunhão e participação; o
mundanismo sob vestes espirituais e pastorais do que a efetiva conversão;
sinais de apegos a ‘vantagens e privilégios’ do que ao espírito de serviço; celebrações litúrgicas que tendem mais à
exaltação da subjetividade do que a comunhão com o Mistério; a utilização de
uma linguagem inadequada do que uma linguagem acessível e atual; a tendência à
uniformidade do que a unidade na diversidade. Sente-se a necessidade de
encontrar uma nova figura de comunidade eclesial, acolhedora e missionária.
Em virtude do enfraquecimento das instituições e
tradições, cresce a responsabilidade pessoal. Em outras épocas,
instituições e tradições protegiam bem mais os indivíduos. Nesta mudança de
época, instituições e tradições tendem a ser sócio culturalmente julgadas com
base na ação dos indivíduos. Em tempos de perplexidade e
incertezas, os discípulos missionários necessitam de retidão ainda maior e
fidelidade a Cristo ao pensar, sentir e agir. Devem verificar se estão deixando
de realmente defender, promover e testemunhar a
vida em todas as suas dimensões.
Nesse contexto sociocultural, o discípulo
missionário não desanima nem se acomoda, mas reage segundo o espírito das
bem-aventuranças (Mt 5,1ss), colocando-se atento na presença do
Senhor (1Sm 3,9-10). Ele crê que o Espírito é a força de Deus presente na vida
das pessoas e da comunidade eclesial e confia que Ele o conduz, orienta e
ilumina. Não faltam sinais de esperança. Constata-se o avanço do trabalho
de leigos na Igreja e na sociedade, ministros ordenados e
membros da vida consagrada se dedicam com ardor à missão, comunidades respondem aos novos desafios,
setores de juventude se organizam, crescem movimentos, associações, grupos,
pastorais e serviços.
“Os desafios existem para serem superados. […] Não
deixemos que nos roubem a força missionária”. Eles oferecem oportunidade para discernir as urgências da ação
evangelizadora. Este é um tempo para responder missionariamente à mudança de
época com o recomeçar a partir de Jesus Cristo,
através de “novo ardor, novos métodos e nova expressão”, com
“criatividade pastoral”. “O semeador, quando vê
surgir o joio no meio do trigo, não tem reações lastimosas ou alarmistas.
Encontra o modo para fazer com que a Palavra se encarne numa situação concreta
e dê frutos de vida nova”.
CAPÍTULO III
URGÊNCIAS NA AÇÃO EVANGELIZADORA
Diante da realidade que se transforma, a Igreja “em
saída” é convocada a superar uma pastoral de
mera conservação ou manutenção para assumir uma pastoral decididamente
missionária, numa atitude que é chamada de conversão pastoral,
como caminho da ação evangelizadora. Voltar às fontes e recomeçar a partir
de Jesus Cristo, faz a Igreja superar a tentação de ser
autor referencial e a coloca no caminho do amor-serviço aos
sofredores desta terra.
Neste contexto emergem 05 urgências na evangelização que precisam estar
presentes nos processos de planejamento pastoral das
Igrejas particulares e instituições eclesiais. Tais urgências dizem respeito à
busca de caminhos para a vivência e a transmissão da fé. Elas são elo entre tudo que se faz em termos de
evangelização no Brasil. Põem a Igreja “em movimento de saída de si mesma,
de missão centrada em Jesus Cristo, de
entrega aos pobres”.
De acordo com essas urgências, a Igreja no Brasil
se empenha em ser uma Igreja em estado permanente de missão, casa da iniciação à vida cristã, fonte da
animação bíblica da vida e da pastoral, comunidade
de comunidades, a serviço da vida em todas as
suas instâncias. Tais aspectos encontram-se unidos de tal modo, que assumir um
deles implica que assumam os outros. Estão sempre presentes, pois se referem a
Cristo, à Igreja, à vida comunitária, à Palavra de Deus como alimento para
a fé, à Eucaristia como alimento para o serviço ao Reino de Deus, a
caminho da vida eterna.
Por seu testemunho e
por suas ações pastorais, a Igreja suscita o desejo de encontrar Jesus Cristo. Este encontro se dá através
do mergulho gradativo no mistério do Redentor. Daí a importância do
primeiro anúncio e da iniciação à vida cristã, a qual não
acontece plenamente se não se tem contato com a Sagrada
Escritura. A Palavra de Deus, alimentando, iluminando e orientando
toda a ação pastoral, transborda para a
totalidade da existência de pessoas e grupos, tornando-se luz para o caminho
(Sl 119,105). Transformados por Jesus Cristo e
comprometidos com o Reino de Deus,
os discípulos missionários formam
comunidades que não podem fechar-se em si mesmas, como ilhas. Por suas atitudes
fraternas e solidárias, trabalhando incessantemente pela vida em todas as suas
instâncias, tornam-se sinais de que o Reino de Deus vai
se manifestando em nosso meio (Mt 11,2-6; At 2,42), na vitória sobre o pecado e
suas consequências.
As cinco urgências apresentam a evangelização na
perspectiva da inculturação, em vista de “fazer a
proposta do Evangelho chegar à variedade dos contextos culturais e dos
destinatários”. Entre esses contextos, sobressaem a cultura urbana e a Amazônia,
“teste decisivo, banco de prova para a Igreja e a sociedade brasileiras”.
3.1. Igreja em estado permanente de
missão
“Ide pelo mundo inteiro e anunciai a Boa Nova a toda criatura! Quem crer e for batizado
será salvo!” (Mc16,15)
Jesus Cristo, o grande missionário do
Pai, envia, pela força do Espírito, seus discípulos em
constante atitude de missão (Mc
16,15), por meio do testemunho e
do anúncio explícito de sua pessoa e mensagem. A Igreja é missionária por natureza. Existe para
anunciar, por gestos e palavras, a pessoa e a mensagem de Jesus Cristo. Fechar-se à dimensão missionária implica
fechar-se ao Espírito Santo, sempre presente,
atuante, impulsionador e defensor (Jo 14,16; Mt 10,19-20). Em toda a sua
história, a Igreja nunca deixou de ser missionária. Em cada tempo e lugar,
esta missão assume perspectivas distintas, nunca, porém,
deixa de acontecer. Se hoje partilhamos a experiência cristã, é porque alguém
nos transmitiu a beleza da fé, apresentou-nos Jesus Cristo, acolheu-nos na comunidade eclesial e nos
fascinou pelo serviço ao Reino de Deus.
A Conferência de Aparecida e a exortação
apostólica Evangelii gaudium (Alegria do Evangelho) convocam a
Igreja a ser toda missionária e em estado permanente demissão.
Fiel ao modelo do Mestre, é vital que hoje a Igreja saia para anunciar o
Evangelho a todos, em todos os lugares, em todas as ocasiões, sem demora, sem
repugnâncias e sem medo. A alegria do Evangelho é para todo o povo, não se pode
excluir ninguém. Somos convidados a aceitar este chamado: sair da própria
comodidade e ter a coragem de alcançar todas as periferias que precisam da luz
do Evangelho.
A missão “é o
paradigma de toda a obra da Igreja”. Ela assume um rosto próprio, com pelo
menos três características: urgência, amplitude, inclusão. É
urgente em decorrência da oscilação atual de critérios. Ampla e includente,
porque reconhece que todas as situações, tempos e locais são seus
interlocutores.
É necessário, portanto, suscitar, em cada batizado
e em cada forma de organização eclesial, uma forte consciência
missionária que interpele o discípulo missionário a “primeirear”,
isto é, a tomar iniciativa, a “sair ao encontro das pessoas, das famílias, das
comunidades e dos povos para lhes comunicar e compartilhar o dom do encontro
com Cristo”. O discípulo missionário anuncia Jesus Cristo, em
todos os lugares e situações em que se encontrar, apresentando com clareza e
força testemunhal, quem é Ele e qual sua proposta para toda a humanidade,
reconhecendo sempre que é precedido pelo Espírito Santo, protagonista
da evangelização. O testemunho pessoal,
é a base sobre a qual o anúncio explícito
haverá de ser desenvolvido.
O discípulo missionário é consciente que o
distanciamento em relação a Jesus Cristo e
ao Reino de Deus traz graves consequências para toda
a humanidade. Estasconsequências são sentidas
principalmente nas inúmeras formas de desrespeito e destruição da vida. O
cristão sabe que não lhe cabe a exclusividade na construção da nova época que
está para surgir. Esta consciência, no entanto, não o exime da responsabilidade
por testemunhar e anunciar, oportuna e inoportunamente
(2Tm 4,2), Cristo e o Reino de Deus, que é
vida, paz, justiça, concórdia e reconciliação (Gl 5,22s).
Surge também a urgência de pensar estruturas pastorais que favoreçam a realização da
atual consciência missionária. Esta “deve impregnar todas as estruturas
eclesiais e todos os planos pastorais”, a ponto de deixar para trás práticas,
costumes e estruturas que, por corresponderem a outros momentos históricos,
atualmente não favorecem a transmissão da fé. “O que derruba
as estruturas caducas, o que leva a mudar os corações dos cristãos é justamente
a missionariedade”. Continua a nos interpelar a convocação da
Conferência de Aparecida à conversão pastoral,
através da qual se ultrapassam os limites de uma “pastoral de
mera conservação para uma pastoral decididamente
missionária”. Neste sentido, a Igreja precisa agir com firmeza e rapidez,
reforçando seu compromisso com a Missão Continental.
3.2. Igreja: casa da iniciação à vida
cristã
“Paulo e Silas anunciaram a Palavra do
Senhor ao carcereiro e a todos os da sua casa. E, imediatamente, foi
batizado, junto com todos os seus
familiares” (At 16,32s)
O estado permanente de missão implica uma efetiva iniciação à vida
cristã. Cada tempo e lugar têm um modo característico para apresentar Jesus Cristo e suscitar nos
corações o seguimento apaixonado à sua pessoa, que a todos convida para com Ele
vincular-se intimamente. “A admiração pela pessoa de Jesus, seu chamado e seu
olhar de amor despertam uma resposta consciente e livre desde o mais íntimo do
coração do discípulo”. A mudança de época exige que o anúncio de Jesus Cristo não
seja mais pressuposto, porém explicitado continuamente.
É preciso ajudar as pessoas a
conhecer Jesus Cristo, fascinar-se por Ele e optar por
segui-lo. “Anunciar Cristo significa mostrar que crer nele e segui-lo não é
algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum
novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações”.
A Conferência de Aparecida, ao elevar a iniciação à
vida cristã à categoria de urgência, recorda que ela, não se esgota na
preparação aos sacramentos do Batismo, Confirmação e Eucaristia, mas se refere,
principalmente, à adesão a Jesus Cristo.
Trata-se de uma Catequese de inspiração
catecumenal. A adesão que tal processo de inspiração catecumenal promove deve
ser feita pela 1ª vez, mas refeita, fortalecida e ratificada tantas vezes
quantas o cotidiano exigir. Nossas comunidades precisam ser mistagógicas, lugar
por excelência da Catequese preparadas para
favorecer que o encontro com Jesus Cristo se
faça e se refaça permanentemente.
A Catequese de
inspiração catecumenal a serviço da
Iniciação à Vida Cristã fundamenta-se na centralidade do querigma ou
primeiro anúncio na missão da
Igreja. “Primeiro” significa que “é o principal”, que sempre se tem de voltar a
anunciar e a ouvir de diversas maneiras. Este 1º anúncio desencadeia “um caminho de formação e de amadurecimento” que é o
catecumenato, propriamente dito, um tempo de acompanhamento em vista da
iluminação da vida a partir da fé cristã.
“Para se chegar a um estado de maturidade, é preciso dar tempo ao tempo, com
uma paciência imensa”.
A Catequese de
inspiração catecumenal traz consigo importantes consequências
para a ação evangelizadora. Requer uma série de atitudes: acolhida,
diálogo, partilha, escuta da Palavra de Deus e adesão à vida comunitária.
Implica estruturas eclesiais apropriadas, nos mais diversos
lugares e ambientes, sempre disponíveis a acolher, apresentar Jesus Cristo e dar as razões da nossa esperança
(1Pd 3,15). Pressupõe, por fim, um perfil de catequista /
evangelizador, ponte entre o coração que busca descobrir ou
redescobrir Jesus Cristo e Seu seguimento
na comunidade de irmãos, em atitudes coerentes e na missão de colaborar na edificação do Reino de Deus.
Esta perspectiva de crescimento destaca o lugar que
a liturgia, celebrada na comunidade dos fiéis, ocupa na
ação missionária da Igreja e no seguimento de Jesus Cristo. Sendo
intimamente unida ao conteúdo do anúncio (lex orandi, lex credendi), ela “é o ápice para o qual tende
a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda a sua força”.
Por isso, “nenhuma atividade pastoral pode
se realizar sem referencia à liturgia”. Enfim,
ela, fonte de verdadeira alegria (At 2,46), tem um papel fundamental na missão evangelizadora da Igreja, na consolidação
da comunidade cristã, e na formação dos discípulos missionários.
3.3. Igreja: lugar de animação bíblica,
da
vida e da pastoral
“Toda Escritura é inspirada por Deus e é útil para ensinar, para
argumentar, para corrigir, para educar conforme a justiça” (2Tm
3,16).
Iniciação à vida cristã e Palavra de Deus estão intimamente ligadas.
Uma não pode acontecer sem a outra. “Ignorar as Escrituras é ignorar o próprio
Cristo”. Este é um tempo muito rico para que cada pessoa seja iniciada na
contemplação da vida, à luz da Palavra e no empenho para que ela seja
efetivamente colocada em prática (Tg 1,22-25).
Deus se dá a conhecer no diálogo que estabelece conosco. “Quem conhece a
Palavra divina conhece plenamente também o significado de cada criatura”. “A
Palavra divina, pronunciada no tempo, deu-Se e entregou-Se à Igreja
definitivamente para que o anúncio da
salvação possa ser eficazmente comunicado em todos os tempos e lugares. […]
Disto conclui-se como é importante que o Povo de Deus seja educado e formado
claramente para se abeirar das Sagradas Escrituras na sua relação com a
Tradição viva da Igreja, reconhecendo nelas a própria Palavra de Deus”.
O discípulo missionário é convidado a redescobrir
o contato pessoal e comunitário com a Palavra de Deus como
lugar privilegiado de encontro com Jesus Cristo. “Na
alvorada do terceiro milênio, não só existem muitos povos que ainda não
conheceram a Boa Nova, mas há também muitos cristãos que têm necessidade que
lhes seja anunciada novamente, de modo persuasivo, a Palavra de Deus, para
poderem assim experimentar concretamente a força do Evangelho”. A Igreja hoje
tem consciência de que “particularmente as novas gerações têm necessidade de
ser introduzidas na Palavra de Deus através do encontro e do testemunho autêntico do adulto, da influência
positiva dos amigos e da grande companhia que é a comunidade eclesial”.
O atual excesso de informações exige formação adequada que auxilie na síntese, no
discernimento e nas escolhas. O desafio para todos os que aceitam Jesus como
caminho é escutar a voz de Cristo em meio a tantas outras vozes.
O discípulo missionário, bombardeado a todo o momento por questões que lhe desafiam
a fé, a ética e a esperança, precisa estar de tal
modo familiarizado com a Palavra de Deus e com o Deus da
Palavra que, mesmo pressionado, mas não abalado (At 2,25; 2Cor 4,8-9), continue
solidamente firmado em Cristo Jesus e, por seu testemunho,
interpele os corações que o questionam (At 16,16-34). Infelizmente, também
podemos constatar que a Bíblia, algumas vezes, não é compreendida como luz para
a vida. Ao contrário, é instrumentalizada até mesmo para engodo.
A Palavra de Deus dirige-se a todos, indistintamente:
crianças, jovens, adultos, idosos, e em todas as situações e contextos em que
se encontrem. Ouvida e celebrada na comunhão com os irmãos, a Palavra de Deus
gera solidariedade, justiça, reconciliação, paz e defesa de
toda a criação. O discípulo missionário haverá de reconhecer e testemunhar que a Palavra é de Deus e
como tal deve ser acolhida e praticada. Não é o discípulo missionário quem
indica à Palavra o que ela deve dizer. Antes, ele mesmo é um ouvinte assíduo da
Palavra (Is 50,5; Tg 1,25). O discípulo missionário a acolhe na gratuidade e na
alteridade, deixando-se apaixonadamente interpelar.
O discípulo missionário acolhe e vive a Palavra de
Deus em comunhão com a Igreja. Ao escutar atentamente a Palavra,
sabe que não o faz isoladamente, mas na comunhão com esta mesma Palavra e com
todos que também a acolhem, como dom na Igreja e com toda a Igreja. Assim, a
Palavra é saboreada sobretudo na eclesialidade.
A Palavra de Deus é luz para a vida (Sl
119,105). Quanto bem tem feito, pelo Brasil afora, nas mais diversas
realidades, a leitura da vida à luz da Palavra. Quantas comunidades se nutrem
dominicalmente da Palavra de Deus, experimentando a força deste alimento
salutar. Quanta riqueza evangelizadora acontece nos Círculos Bíblicos, nos
Grupos de Reflexão, nos Grupos de Quadra e outros similares.
A animação bíblica de toda
a pastoral, indo além de uma pastoral bíblica
especializada, é um caminho de conhecimento e interpretação da Palavra, um
caminho de comunhão e oração com a Palavra e um caminho de evangelização e
proclamação da Palavra. O contato interpretativo, orante e vivencial com a
Palavra de Deus não forma, necessariamente, doutores; forma santos.
3.4. Igreja: comunidade de comunidades
“Sois uma raça escolhida, um sacerdócio régio, uma
nação santa, um povo adquirido para Deus”(1Pd 2,9).
O discípulo missionário de Jesus Cristo, necessariamente, vive sua fé em comunidade (1Pd
2,9-10)103, em “íntima união ou comunhão das pessoas entre si e delas com Deus
Trindade”. Sem vida em comunidade, não há como efetivamente viver a proposta
cristã. Comunidade implica convívio, vínculos
profundos, afetividade, interesses comuns, estabilidade e solidariedade nos sonhos, nas alegrias e nas
dores. A comunidade eclesial acolhe, forma e transforma, envia em missão, restaura, celebra, adverte e sustenta. Ao mesmo
tempo em que hoje se constata uma forte tendência ao individualismo, percebe-se
igualmente a busca por vida comunitária. Esta busca nos recorda como é importante
a vida em fraternidade. Mostra também que o Espírito Santo acompanha
a humanidade suscitando, em meio às transformações da história, a sede por
união e solidariedade.
As paróquias têm
importante papel na vivência da fé. Para a maioria
das pessoas a relação com a Igreja se dá através das paróquias. Em vista da conversão pastoral que
a missão hoje exige, elas precisam tornar-se cada
vez mais comunidades vivas e dinâmicas, capazes de propiciar a seus membros uma
real experiência “de discípulos e missionários de Jesus Cristo, em comunhão”. Assim haverão de se tornar
mais próximas das pessoas sendo âmbitos de viva comunhão, participação e missão.
A busca sincera por Jesus
Cristo faz surgir a correspondente busca por diversas formas de
vida comunitária. Alimentadas pelo pão da Palavra e da Eucaristia, articuladas
entre si, na partilha da fé e na missão, estas comunidades se unem, dando lugar a
verdadeiras comunidades de comunidades. Entre elas, encontram-se as
Comunidades Eclesiais de e “outras formas válidas de pequenas comunidades”,
cada uma vivendo seu carisma, assumindo a missão evangelizadora
de acordo com a realidade local e se articulando de modo a testemunhar a comunhão na pluralidade.
Além das comunidades territorialmente
estabelecidas, deparamo-nos com comunidades transterritoriais,
ambientais e afetivas. Estes fatos abrem o coração do discípulo missionário a
novos horizontes de concretização comunitária.
Dentre os desafios dois se
destacam. O 1º diz respeito aos ambientes marcados por aguda urbanização, para os quais vizinhança geográfica não
significa necessariamente convívio, afinidade e solidariedade.
O 2º se refere aos ambientes virtuais, onde a rapidez da
comunicação e a superação das distâncias geográficas tornam-se grandes atrativos,
especialmente aos jovens. É necessária a consciência de que, na ação
evangelizadora, estes desafios devem ser seriamente considerados e que nada
substitui o contato pessoal.
Em todas estas situações, contradiz profundamente a
dinâmica do Reino de Deus e de uma Igreja
em estado permanente de missão, a existência
de comunidades fechadas em torno de si mesmas, sem
relacionamento intraeclesial, com a sociedade em geral, com as culturas, com os
demais irmãos que creem em Jesus Cristo e
com as outras religiões.
A experiência comunitária, quando efetivamente
vivida à luz da Boa-Nova do Reino de Deus,
conduz ao empenho para que a fraternidade e a união sejam assumidas em todas as
instâncias da vida. Para isso, no interior da comunidade eclesial, o diálogo é o caminho permanente para a boa
convivência e o aprofundamento da comunhão. A variedade de vocações, carismas,
espiritualidades e movimentos é uma riqueza e não motivo para competição,
rejeição ou discriminação. Grande é o desafio da educação para a vivência da
unidade na diversidade, fundada na consagração batismal e no princípio
de que todos são irmãos e iguais em dignidade (Gl 3,27-29). Quanto maior for a
comunhão, tanto mais autêntico e eficaz será o testemunho da
comunidade.
3.5. Igreja a serviço da vida plena
para todos
“Eu vim para que todos tenham vida e a tenham
em abundância” (Jo 10,10)
A vida é dom de Deus! “O Evangelho da vida está no centro da mensagem de
Jesus”. É missão dos discípulos o serviço à vida plena. Por isso, a Igreja no Brasil
proclama com vigor que “as condições de vida de muitos abandonados, excluídos e
ignorados em sua miséria e dor, contradizem o projeto do Pai e desafiam
os discípulos missionários ao maior compromisso a
favor da cultura da vida”.
Ao mergulhar nas profundezas da existência humana,
o discípulo missionário abrindo seu coração em louvor, por todas as criaturas,
angustia-se diante de todas as formas devida ameaçada, desde
o seu início, em todas as suas etapas, até a morte natural. Na medida em que
nenhuma vida existe apenas para si, mas para os outros e para Deus, este é
tempo mais do que propício para a articulação e a integração de todas as formas
de paixão pela vida. Só assim conseguiremos, de fato, vencer a cultura de
morte.
Através da promoção da cultura
da vida os discípulos missionários de Jesus Cristo testemunham
verdadeiramente sua fé naquele que
veio dar a vida em resgate de todos, comprometendo-se de modo especial com
os pobres e, em vista da construção de uma sociedade
justa e fraterna.
Contemplando os diversos rostos de sofredores, especialmente os resíduos e “sobras”
o discípulo missionário enxerga, em cada um, o rosto de seu Senhor: chagado,
destroçado, flagelado (Is 52,13ss). Seu amor por Jesus Cristo e Cristo Crucificado (1Cor 1,23-25)
leva-o a buscar o Mestre em meio às situações de morte (Mt 25,31-46). Leva-o a
não aceitá-las, sejam elas quais forem, envolvendo-se na preservação da vida. O
discípulo missionário não se cala diante
da vida impedida de nascer, seja por decisão individual, seja pela legalização
e despenalização do aborto. Não se cala igualmente diante da vida sem
alimentação, casa, terra, trabalho, educação, saúde, lazer, liberdade,
esperança e fé. Torna-se, deste modo, alguém
que sonha e se compromete com um mundo onde seja, efetivamente, reconhecido o
direito a nascer, crescer, constituir família, seguir a vocação, envelhecer e
morrer naturalmente, crer e manifestar sua fé.
“Para a Igreja, a caridade não é uma espécie de
atividade de assistência social que poderia mesmo deixar para outros, mas
pertence à sua natureza, é expressão irrenunciável de sua própria essência”.
Daí “ratificar e potencializar a opção preferencial pelos pobres”,
“implícita à fé Cristológica naquele Deus
que se fez pobre por nós, para nos enriquecer com sua pobreza” e que deverá
“atravessar todas as suas estruturas e prioridades pastorais” manifestando-se
“em opções e gestos concretos”. Devemos evitar “a tentação de ser cristãos,
mantendo uma prudente distância das chagas do Senhor. Mas Jesus quer que
toquemos a miséria humana, que toquemos a carne sofredora dos outros. Espera
que renunciemos a procurar aqueles abrigos pessoais ou comunitários que
permitem manter-nos à distância do nó do drama humano, a fim de aceitarmos
verdadeiramente de entrar em contato com a vida concreta dos outros e
conhecermos a força da ternura”.
Consciente de que precisa contribuir para superar a
miséria e a exclusão, o discípulo missionário também sabe que não pode restringir sua solidariedade ao gesto
imediato da doação caritativa. Embora importante e mesmo indispensável,
a doação imediata do necessário à sobrevivência não abrange a totalidade da
opção pelos pobres. Antes de tudo, esta implica convívio, convívio,
relacionamento fraterno, atenção, escuta, acompanhamento nas dificuldades,
buscando, a partir dos próprios pobres, a mudança de
sua situação e a transformação social. Os pobres e
excluídos são sujeitos da evangelização e da promoção humana integral. Eles
estão no centro da vida da Igreja.
Em tudo isso, a Igreja reconhece a importância
da atuação no mundo da política e incentiva os leigos e leigas,
especialmente os jovens, à participação ativa e efetiva nos diversos setores
voltados para a construção de um mundo mais justo, fraterno e solidário. Daí, a
urgência na formação e apoio aos cristãos leigos e leigas para que atuem nos movimentos sociais,
conselhos de políticas públicas, associações de moradores, sindicatos, partidos
políticos e outras entidades, sempre iluminados pelo Ensino Social da Igreja.
Tão desacreditada em nossos dias, a política, no entanto, “é uma sublime
vocação, é uma das formas mais preciosas da caridade, porque busca o bem
comum”.
Frente aos efeitos das mudanças climáticas na vida
das famílias, comunidades e regiões, é preciso avançar na consciência ecológica. “Nós, os seres humanos, não somos
meramente beneficiários, mas guardiões das outras criaturas”. “A criação não é
uma propriedade, que podemos manipular a nosso bel-prazer; nem muito menos uma
propriedade que pertence só a alguns, a poucos: a criação é um dom, uma dádiva
maravilhosa que Deus nos concedeu, para a cuidarmos e utilizarmos em
benefício de todos, sempre com grande respeito e gratidão”. “A Igreja
tem uma responsabilidade a respeito da criação e deve fazer valer essa
responsabilidade na esfera pública”.
O serviço testemunhal à vida, de modo especial, à vida
fragilizada e ameaçada, é a mais forte atitude de diálogo que o discípulo
missionário pode e deve estabelecer com uma realidade que sente a negação da
primazia do ser humano e o peso da cultura da morte. Na Igreja samaritana, o
discípulo missionário vive o anúncio de um
mundo diferente que, acima de tudo, por amar a vida, convoca à comunhão efetiva
entre todos os seres vivos.
CAPÍTULO IV
PERSPECTIVAS DE AÇÃO
Em nosso imenso Brasil, cada Igreja Particular responda
às urgências na ação evangelizadora de acordo com as suas peculiaridades
regionais. Além de características comuns da realidade brasileira em suas
diferentes regiões, a fidelidade ao Evangelho no hoje de nosso tempo e o
caráter indispensável do testemunho de unidade exigem uma ação orgânica em torno a
alguns referenciais comuns.
Estas perspectivas de ação querem
contribuir, por um lado, com uma Igreja “comunhão e participação”, despertando
a criatividade e fornecendo subsídios às diversas iniciativas da ação
evangelizadora. Por outro, quer promover, nas Igrejas Particulares e entre
elas, uma pastoral orgânica e de
conjunto mais eficaz, pois a Igreja é “Igreja de Igrejas”. Trata-se de linhas e
formas de ação, de critérios, que precisarão ser concretizadas nos processos de
ação pastoral em cada Igreja Particular, segundo as
condições e necessidades dos respectivos contextos.
A proposta destas perspectivas de ação se situa no
contexto de celebração dos 50 anos do encerramento do Concílio Vaticano II. Ele representa um acontecimento
eclesial que marcou fortemente a caminhada da Igreja, promovendo a atualização
de métodos e de linguagem, verdadeiro Pentecostes do século XX.
4.1. Igreja em estado permanente de
missão
A experiência de fé faz
transbordar o anúncio explícito de Jesus Cristo para além da comunidade cristã, nos
ambientes onde os mensageiros se fazem presentes como Jesus, cheio de graça e
de verdade. A Igreja oferece a todos o Evangelho de Jesus Cristo, assumindo com renovado ardor missionário
e criatividade uma nova evangelização:
a) aos fiéis que frequentam regularmente a
comunidade e aos que, embora não tenham frequência regular, conservam uma fé católica intensa e sincera. A estes, a Igreja
acompanha com a pastoral ordinária, que visa o
crescimento na fé e o consequente compromisso
cristão no mundo;
b) às pessoas batizadas que já não vivem as exigências do batismo, a Igreja oferece
oportunidade de conversão, que os pode levar a reencontrar a alegria da fé, o compromisso com o Evangelho e a vivência
comunitária;
c) aos que não conhecem Jesus
Cristo ou que o recusam, os cristãos têm o dever de lhes
anunciar o Evangelho, como partilha de uma alegria que confere à vida um
horizonte de significado e realização, especialmente através do testemunho de vida.
Cabe a cada comunidade eclesial perguntar quais
são os grupos humanos ou as categorias sociais que merecem atenção
especial e lhes dar prioridade no trabalho de evangelização. Entre
esses grupos estão: pessoas vivendo na periferia de nossas cidades, indígenas e
afrodescendentes, intelectuais, artistas, políticos, formadores de opinião,
esportistas, trabalhadores com grande mobilidade, nômades, pessoas com
deficiência etc. Importa ir ao encontro deles, não apenas nas famílias e nas
residências, nas periferias existenciais, mas também em todos os ambientes.
A juventude merece
atenção especial. Uma Igreja sem jovens é uma Igreja sem futuro. A CNBB motiva
e norteia os projetos de evangelização da juventude. A crescente participação
do Brasil nas Jornadas Mundiais da Juventude, e especialmente os frutos da
Jornada realizada no Rio de Janeiro têm mostrado, ao lado dos outros projetos
pastorais, a força evangelizadora dos jovens e sua significativa predisposição
para as iniciativas missionárias e serviços voluntários.
O atual projeto “300 anos de bênçãos: com a Mãe Aparecida – Juventude em Missão” vem reforçar a dimensão missionária na formação
dos jovens.
As missões populares, em
suas diversas modalidades, respondendo ao apelo da Missão Continental, têm se mostrado um caminho eficaz de
evangelização. Também as visitas sistemáticas nos locais de trabalho, nas
moradias de estudantes, nas favelas e nos cortiços, nos alojamentos de
trabalhadores, nas instituições de saúde, nos assentamentos, nas prisões, nos albergues
e junto aos moradores de rua, entre outros, são testemunho de
uma “Igreja em saída”, que se sente interpelada a buscar maior organicidade e
eficácia neste serviço.
Uma “Igreja em estado permanente de missão” nos leva a assumir a missão ad gentes, dando
“de nossa pobreza”, em outras regiões e além fronteiras. Uma Igreja Particular
não pode esperar atingir a plena maturidade eclesial para, só então, começar a
se preocupar com a missão para
além de seu território. Através dos Conselhos Missionários é
chamada a articular e animar as iniciativas de missão em
seu território, com abertura à missão além
fronteiras. A maturidade eclesial é consequência e não apenas condição de
abertura missionária.
Na missão, o discípulo
se depara com o desafio do ecumenismo, a buscar
cordialmente a unidade com os irmãos e irmãs que creem em Jesus Cristo. O escândalo da divisão entre os cristãos
nos desafia exigindo respostas para a sua superação. “Não bastam as
manifestações de bons sentimentos. São necessários gestos concretos que
penetrem nos espíritos e sacudam as consciências, impulsionando cada um à
conversão interior, que é o fundamento de todo progresso no caminho do
ecumenismo”. Sobretudo, Cada Igreja Particular está desafiada a dar passos mais
consistentes no campo do ecumenismo.
Outro desafio é o diálogo inter-religioso,
o encontro fraterno e respeitoso com os seguidores de religiões não cristãs e
com todas as pessoas empenhadas na busca da justiça e na construção da
fraternidade universal. Especial atenção merece o diálogo com os judeus e os
muçulmanos, irmãos de fé no Deus Uno;
com as expressões religiosas afrodescendentes e indígenas, assim como com os
ateus. Tal como o ecumenismo, o diálogo inter-religioso precisa integrar a vida
e a ação de nossas comunidades eclesiais. 81. O diálogo e a cultura do encontro
tornam-se atitudes necessárias e urgentes diante de manifestações, às vezes
violentas, de intolerância em relação a outras expressões de fé e cultos religiosos. As nossas comunidades, a
exemplo de Jesus que soube acolher e atender pessoas de outras tradições
religiosas e dialogar com elas e de Paulo, chamado a evangelizar os gentios, se
tornem sensíveis à diversidade religiosa do povo brasileiro e lugar de encontro
para uma convivência fraterna com todos.
Faz-se necessário estimular, sempre mais, com
oportunas iniciativas, a partilha e a comunhão dos recursos da Igreja no
Brasil, desenvolvendo e ampliando o projeto “Igrejas irmãs” nas
Igrejas Particulares, nos regionais e em âmbito nacional, levando em conta a
situação de grave necessidade de pessoal e de recursos financeiros nas regiões
mais carentes do país. Neste sentido, merece especial apoio o projeto “Comunhão
e Partilha”, em favor das Igrejas com maior carência de recursos econômicos,
promovido pela CNBB. A região amazônica merece especial atenção e renovado
empenho missionário.
4.2. Igreja: casa da iniciação à vida
cristã
É necessário desenvolver, em nossas comunidades,
um processo de iniciação à vida cristã, que conduza ao
“encontro pessoal com Jesus Cristo”, no
cultivo da amizade com Ele pela oração, no apreço pela litúrgica, na
experiência comunitária e no compromisso apostólico, mediante um
permanente serviço ao próximo.
A Catequese de inspiração catecumenal adquire grande
importância. Trata-se não de uma Catequese ocasional,
como preparação para receber algum sacramento, mas continuada. Isso implica
melhor formação dos responsáveis e um itinerário catequético permanente,
assumido pela Igreja Particular, com a ajuda da Conferência Episcopal, que não
se limite a uma formação doutrinal, mas integral. A Catequese de inspiração bíblica, mistagógica e
litúrgica é condição fundamental para a iniciação cristã de crianças, bem como
de adolescentes, jovens e adultos que não foram suficientemente orientados
na fé e nas obras inspiradas pela fé.
A inspiração catecumenal implica em uma
estreita relação entre bíblia e Catequese. De fato,
“a Catequese há de haurir sempre o seu conteúdo na
fonte viva da Palavra de Deus, transmitida na Tradição e na Escritura, porque a
‘Sagrada Tradição e aSagrada Escritura constituem
um só depósito inviolável da Palavra de Deus”. Ao mesmo tempo, a Catequese fornece uma adequada formação bíblica dos cristãos.
Essa mesma inspiração implica, também, uma
estreita relação entre a Catequese e a liturgia.
Ela assume o caráter de eco do mistério experimentado e vivenciado naliturgia e se abre para a missão: “a formação catequética ilumina e fortifica
a fé, nutre a vida segundo o espírito de Cristo, leva a
uma participação consciente e ativa no mistério litúrgico e desperta para a
atividade apostólica”. Por sua vez, a celebração litúrgica, ao mesmo tempo que
é atualização do mistério da salvação, requer, necessariamente, uma iniciação
aos mistérios da fé. Neste contexto, sobressai a formação litúrgica, em todos os níveis da vida eclesial,
num processo mistagógico,integrando na ação ritual o sentido
teológico e litúrgico nela expresso. Nessa perspectiva, compreende-se que a
melhor Catequese litúrgica é a liturgia bem celebrada.
A pastoral da liturgia deve conjugar os esforços e as
iniciativas necessárias paraanimar a vida litúrgica de
uma comunidade, paróquia, diocese, levando em conta
sua realidade histórica, cultural, eclesial, de modo que os cristãos possam
tomar parte das celebrações de forma ativa, consciente e plena, e colher dela
os frutos espirituais. Isto supõe:
a) formar permanentemente
a assembleia litúrgica, dedicando especial atenção aos ministros ordenados e às
equipes de celebração;
b) preparar as
celebrações, respeitando-se as partes que compõem o rito;
c) realizar com
dignidade e competência as ações celebrativas; d) avaliar a
preparação e a realização em busca do crescimento na qualidade das celebrações.
As muitas manifestações da piedade popular católica precisam ser valorizadas e estimuladas
e, onde for necessário, purificadas. Tais práticas têm grande significado para
a preservação e a transmissão da fé e para a iniciação à vida cristã, bem como para
a promoção da cultura. “As expressões da piedade popular têm muito que nos
ensinar e, para quem as sabe ler, são um lugar teológico a
que devemos prestar atenção particularmente na hora de pensar a nova
evangelização”.
O processo de iniciação à vida cristã requer
grande atenção às pessoas, com atendimento personalizado. Trata-se
de estabelecer um diálogo interpessoal, de reflexão
sobre a experiência de vida e de seu verdadeiro sentido. É importante valorizar
a experiência de vida de cada pessoa, ajudando-a a reconhecer a própria busca
de Deus e a abrir-se à Sua presença e ação salvadora. É sempre necessário
recordar que a pedagogia evangélica consiste na persuasão do
interlocutor pelo testemunho de vida e por uma
argumentação sincera e rigorosa, que estimula a busca da verdade.
A comunidade eclesial é o lugar da iniciação à vida
cristã e da educação na fé das
crianças, adolescentes e jovens, como também dos adultos batizados e não
suficientemente evangelizados. Junto com a comunidade eclesial, a família tem
papel indispensável nesta iniciação.
A formação dos discípulos missionários precisa articular fé e vida e integrar cinco
aspectos fundamentais: o encontro com Jesus Cristo; a conversão; o discipulado; a comunhão;
a missão. O processo formativo se
constitui no alimento da vida cristã e precisa estar voltado para a missão, que se concretiza no anúncio explícito de Jesus Cristo, vida plena, para todos, em especial para
os pobres. A formação não se reduz a cursos. Ela integra a
vivência comunitária, a participação em celebrações e encontros, a interação
com os meios de comunicação, a inserção nas diferentes atividades pastorais e
espaços de capacitação, movimentos e associações.
A formação dos leigos e leigas precisa ser uma das prioridades da Igreja
Particular; é “um direito e dever para todos”. Ela se torna mais efetiva e
frutuosa quando integrada em um projeto orgânico de formação,
que contemple a formação básica de todos os membros da comunidade e a formação
específica e especializada, sobretudo para aqueles que atuam na sociedade, onde
se apresenta o desafio de dar “testemunho de
Cristo e dos valores do Reino”.
4.3. Igreja: lugar de animação bíblica
da vida
e da pastoral
A Igreja no Brasil deseja incrementar a animação bíblica da vida e da pastoral, com
o envolvimento de toda a comunidade, pessoas, pastorais, movimentos, associações
e serviço. A animação bíblica é indispensável para que a
vida da Igreja seja, ainda mais, uma “escola de interpretação ou conhecimento
da Palavra, escola de comunhão e oração com a Palavra e escola de evangelização
e proclamação da Palavra”. Seus principais objetivos são: propiciar meios de
aproximação das pessoas à Palavra de Deus, para conhecê-la e interpretá-la
corretamente; entrar em comunhão e com a Palavra de Deus por meio da oração;
evangelizar e proclamá-la como fonte de vida em abundância para todos.
A Igreja, casa da Palavra, valoriza a liturgia como âmbito privilegiado onde Deus fala à
comunidade. Nela Deus fala e o povo escuta e responde. Cada ação litúrgica
está, por sua natureza, impregnada da Escritura Sagrada.
Especial atenção merece a homilia que atualiza a mensagem da Bíblia de tal modo
que os fiéis sejam levados a descobrir a presença e a eficácia da Palavra de
Deus, no momento atual de sua vida. Ela pode ser “uma experiência intensa e
feliz do Espírito, um consolador encontro com a Palavra, uma fonte constante de
renovação e crescimento”.
Em todos os níveis da ação evangelizadora, sejam
criadas e fortalecidas equipes de animação bíblica
da pastoral. Essas equipes impulsionam a responsabilidade de
todos batizados com relação à Palavra de Deus. Entre as atividades que se
propõem sobressaem, em particular, aquelas que reúnem grupos de famílias,
círculos bíblicos e pequenas comunidades em torno à meditação e vivência da
Palavra, em estreita relação com seu contexto social, e os cursos e escolas
bíblicas, voltados, sobretudo, para leigos(as).
Deparamo-nos com a necessidade de possuir a Bíblia. Nesse sentido, devem ser estimuladas
iniciativas que permitam colocá-la nas mãos de todos, especialmente dos
mais pobres. No entanto, não basta possuí-la. É
necessário ajudar a ler e interpretar corretamente a Escritura,
“chegar à interpretação adequada dos textos bíblicos e empregá-los como
mediação de diálogo com Jesus Cristo”. O
encontro com a Palavra viva exige a experiência de fé. Para isso, o católico precisa ser devidamente
capacitado tanto no conteúdo bíblico quanto na pedagogia para iniciar e manter
contato permanente com a Escritura.
Merece destaque a leitura orante, que
favorece o encontro pessoal com Jesus Cristo, o
Verbo de Deus. Seja, portanto, incentivada e reforçada, conforme as orientações
da Igreja, de modo que proporcione comunhão com o Senhor e ilumine a realidade
vivida pelos participantes, animando-os e despertando-os para o compromisso
evangélico aserviço do Reino de Deus. Esta
perspectiva deve orientar também a formação inicial e permanente dos ministros
ordenados.
Considerando que a Bíblia encerra “valores
antropológicos e filosóficos que influíram positivamente sobre toda a
humanidade”, é importante favorecer o seu conhecimento “entre os agentes culturais, mesmo nos ambientes secularizados e
entre os não crentes”, assim como nas escolas e universidades, sobretudo
através da educação religiosa. Também se pode “estimular manifestações
artísticas inspiradas na Sagrada Escritura,
nas artes figurativas e na arquitetura, na literatura e na música”,
acompanhadas de uma “sólida formação dos artistas”.
Importa utilizar o espaço “dos novos meios de comunicação social, especialmente a internet
com inúmeras redes sociais, que constituem um novo fórum onde fazer ressoar o
Evangelho”, cuidando para que o mundo virtual jamais substitua o mundo real,
pois “o encontro pessoal permanece insubstituível”.
Investir na animação bíblica da vida e da pastoral, em agentes e equipes, leva à instituição e à formação continuada dos ministros e ministras da Palavra. Implica
a “necessidade de cuidar, com uma adequada formação, do exercício do múnus
de leitor na celebração litúrgica e de modo particular o
ministério do leitorado, […] com capacitação não apenas bíblica e litúrgica,
mas também técnica”.
4.4. Igreja: comunidade de comunidades
A Igreja no Brasil se compromete em acelerar ainda
mais o processo de animação e fortalecimento de comunidades,
que buscam intensificar a vida cristã por meio de autêntico compromisso
eclesial. Em vista disto, a CNBB publicou o documento “Comunidade de
comunidades: uma nova paróquia – a
conversão pastoral da paróquia” (Doc. 100). Importa muito investir na
descentralização das paróquias, seja
iniciando experiências significativas, seja reconhecendo, no dia a dia das
comunidades, o que já existe, atentos ao que afirma o Documento de Aparecida:
ninguém pode se isentar de dar estes passos.
Entre as formas de renovação da paróquia está a urgência de sua setorização em unidades menores, com equipes próprias
de animação e de coordenação, para favorecer a maior proximidade com as pessoas
e grupos da e o nascimento de comunidades, pois valoriza os vínculos humanos e
sociais. Assim, a Igreja se faz presente nas diversas realidades, vai ao
encontro dos afastados, promove novas lideranças e a iniciação à vida cristã
acontece no ambiente em que as pessoas vivem.
As comunidades eclesiais de base, as CEBs, alimentadas pela Palavra, pela fraternidade, pela
oração e pela Eucaristia, são sinal de vitalidade da Igreja. São também
presença eclesial junto aos pobres, partilhando
as suas alegrias e angústias e se comprometendo na construção de uma sociedade
justa e solidária. Também elas se deparam com os desafios da mudança de época e
se veem desafiadas a não esmorecer, mas a discernir, na comunhão da Igreja,
caminhos para enfrentar os desafios oriundos de um mundo plural, globalizado,
urbanizado e individualista.
As diversas formas válidas de
pequenas comunidades, de movimentos, de associações, de grupos de vida,
de oração e de reflexão da Palavra de Deus “são uma riqueza da Igreja que o
Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e setores”. Eles
possibilitam a experiência da gratuidade dos relacionamentos e do compromisso
missionário. Todos são convocados a se comprometerem com a paróquia local, a assumirem os planos pastorais de
cada Igreja Particular, e, com elas, se unirem em torno das Diretrizes da Ação
Evangelizadora da Igreja no Brasil.
A pastoral vocacional se torna prioritária neste novo
momento da história da evangelização, colaborando para suscitar e acompanhar
vocações para o serviço da comunidade e para a
atuação profético-transformadora na sociedade. Destaca-se em seu
trabalho o cuidado com as vocações ao ministério ordenado e à vida consagrada e
com a constante adequação da formação diaconal e presbiteral, inicial e
permanente. Trata-se de suscitar e desenvolver uma verdadeira cultura
vocacional nas comunidades, especialmente entre os adolescentes e jovens.
Para uma Igreja comunidade de comunidades, é
imprescindível o empenho por uma efetiva participação de todos nos
destinos da comunidade, pela diversidade de carismas, serviços e ministérios. Para isso, faz-se necessário
promover:
a) a diversidade ministerial,
na qual todos, trabalhando em comunhão, manifestam a única Igreja de Cristo,
sejam eles leigos, leigas, ministros ordenados, consagrados e consagradas.
Urge aos pastores “abrir espaços de participação aos leigos e a confiar-lhes ministérios e
responsabilidades, para que todos na Igreja vivam de maneira responsável seu
compromisso cristão”. Entre as vocações laicais, é
preciso valorizar especialmente as que brotam do matrimônio, como a de ser
esposo e esposa, mãe, pai, filho e irmão. Não perder de vista, igualmente, que
a missão fundamental de leigos e leigas é a
presença e o testemunho na sociedade,
especialmente nos ambientes de trabalho e em associações laicais;
b) a união dos
presbíteros, diáconos, consagrados e leigos, sob a
orientação do bispo diocesano, em torno das grandes metas evangelizadoras e
dos projetos pastorais que as concretizam. Uma Igreja com
diversas formas de ser comunidade deve ser igualmente uma Igreja que testemunha
a comunhão de dons, serviços e
ministérios;
c) o carisma da vida consagrada, em suas
dimensões apostólica e contemplativa, presente em fronteiras missionárias;
inserida junto aos pobres; atuante no
mundo da educação, da saúde, da ação social; orante em mosteiros, comprometida
a evangelizar por sua vida e missão;
d) a formação e a atuação de assembleias, conselhos e comissões, tanto
em âmbito pastoral como em âmbito econômico-administrativo.
Os leigos, corresponsáveis com o ministério ordenado,
atuando nessas assembleias, conselhos e comissões, tornam-se cada vez mais
envolvidos na comunidade através do planejamento, execução e na avaliação de
suas atividades. Estes organismos são instrumentos que levam à valorização dos
diferentes serviços pastorais e podem ser um
meio para evidenciar a necessidade de todos os membros da comunidade eclesial tornaram-se
sujeitos corresponsáveis na ação evangelizadora;
e) a articulação das ações evangelizadoras, através
da pastoral orgânica e de conjunto,
para evitar o contratestemunho da divisão e a
competição entre grupos. A articulação da diversidade de carismas e iniciativas
de evangelização contribui para efetivar a unidade eclesial. Instrumento
privilegiado de uma pastoral orgânica
e de conjunto é o planejamento, com a participação de todos os membros da
comunidade eclesial na projeção da ação evangelizadora, tanto no processo de
discernimento, como na tomada de decisão e avaliação.
A efetivação de uma Igreja comunidade de
comunidades com espírito missionário, manifesta-se também na bela experiência
das paróquias-irmãs, dentro e fora da
diocese, análoga ao mencionado projeto Igrejas-irmãs. A exemplo das primeiras
comunidades, é importante estimular a experiência da partilha, principalmente
através do dízimo. A constituição de um fundo diocesano de comunhão e
partilha, expressão da comunhão eclesial da Igreja particular e da solidariedade entre suas comunidades, garante que
a nenhuma comunidade falte o necessário.
4.5. Igreja a serviço da vida plena
para todos
A Igreja, através de uma pastoral social estruturada,
orgânica e integral, tem a vocação e missão de
promover, cuidar e defender a vida em todas as suas expressões. Ao fazer isso,
testemunha que “o querigma possui um conteúdo inevitavelmente social: no
próprio coração do Evangelho, aparece a vida comunitária e o compromisso com os
outros. O conteúdo do primeiro anúncio tem uma
repercussão moral imediata, cujo centro é a caridade”.
O serviço à vida
começa pelo respeito à dignidade da pessoa humana,
através de iniciativas como:
a) defender e promover a dignidade da vida humana
em todas as etapas da existência, desde a fecundação até a morte natural;
b) tratar o ser humano como fim e não como meio,
respeitando-o em tudo que lhe é próprio: corpo, espírito e liberdade;
c) tratar todo ser humano sem preconceito nem
discriminação, acolhendo, perdoando, recuperando a vida e a
liberdade de cada pessoa, tendo presentes as condições materiais e o contexto
histórico, social, cultural em que cada pessoa vive. Neste sentido, destaca-se
a importância da Campanha da Fraternidade, que está entre as ações eclesiais de
maior impacto na sociedade.
Um olhar especial merece a família, patrimônio da humanidade, lugar e escola de
comunhão, primeiro espaço para a iniciação à vida cristã das crianças, no seio
da qual, os pais são os primeiros catequistas. Tamanha é sua importância que
precisa ser considerada “um dos eixos transversais de toda a ação
evangelizadora”. Portanto, é preciso uma pastoral intensa,
vigorosa e frutuosa, capaz de animar a vivência da santidade no matrimônio e na
família, atendendo também as diversas situações familiares e reivindicando as
condições socioeconômicas necessárias ao bem estar da pessoa, da família e da
sociedade.
É preciso intensificar o empenho na defesa da
dignidade das mulheres, das pessoas com deficiência e dos idosos. A consciência da igualdade de seus direitos e sua
plena inclusão na sociedade precisam ser promovidas. Para a Igreja, o apoio a
essas causas é um eloquente testemunho de
sua fé em Jesus Cristo e
de seu compromisso com oReino de Deus, por
Ele anunciado e mostrado presente entre nós.
Crianças, adolescentes e jovens precisam de maior atenção
por parte de nossas comunidades eclesiais, pois são os mais expostos ao
abandono, às drogas, à violência, à venda de armas, ao abuso sexual, ao tráfico
humano, às várias forma de exploração do trabalho, bem como à falta de
oportunidades e perspectivas de futuro. Em vista disso, é importante promover e
apoiar a pastoral da sobriedade, a pastoral juvenil, apastoral do
menor, a pastoral da criança. Neste contexto, é preciso
acompanhar com atenção a discussão sobre a criminalização de menores e
manifestar com clareza a posição da Igreja a respeito. Também as pessoas idosas, expostas ao risco da exclusão, precisam ser
valorizadas em sua experiência e sabedoria, reconhecidas em sua dignidade e protegidas
em seus direitos.
No âmbito da Economia, é necessário
compartilhar as alegrias e preocupações dos trabalhadores e das trabalhadoras,
por meio da presença evangélica, nos locais de trabalho, nos sindicatos, nas
associações de classe e lazer. Através das diversas pastorais e movimentos
ligados ao mundo do trabalho, urge lutar contra o desemprego e o
subemprego, a precarização do trabalho e perda de direitos, criando ou
apoiando alternativas de geração de renda, assim como a economia solidária, a
agricultura familiar, a agroecologia, a reforma agrária, o consumo solidário, a
segurança alimentar, as redes de trocas, o acesso ao crédito popular, o
trabalho coletivo, a busca do desenvolvimento local sustentável e solidário.
Atenção especial merecem os migrantes forçados pela busca de trabalho e moradia:
a) os migrantes brasileiros no exterior, vivendo no
meio de outras culturas e tradições, que precisam de amparo, apoio e
assistência social e religiosa;
b) os migrantes sazonais, que constituem mão de
obra barata e superexplorada pelo agronegócio em variadas formas;
c) as vítimas do tráfico de pessoas seduzidas por
propostas de trabalho que levam à exploração também sexual;
d) os trabalhadores explorados pelos métodos de
terceirização, vítimas de atravessadores de mão de obra;
e) os novos migrantes estrangeiros em busca de
sobrevivência em nossa pátria, muitos se encontrando em situação de não
cidadania e discriminação. É urgente o estabelecimento de estruturas nacionais e diocesanas destinadas não
apenas a acompanhar os migrantes e refugiados, como também a se empenharem
junto aos organismos da sociedade civil, para que os governos tenham uma
política migratória que leve em conta os direitos das pessoas em mobilidade.
No âmbito da cultura, cabe promover
uma sociedade que respeite as diferenças, combatendo o
preconceito e a discriminação nas mais diversas esferas, efetivando a
convivência pacífica das várias etnias, culturas e expressões religiosas, o
respeito às legítimas diferenças. Torna-se urgente trabalhar pela criação e
aplicação de mecanismos legais para o combate a qualquer forma de
discriminação, mas sempre vigilantes para evitar a afirmação exasperada de
direitos individuais e subjetivos, bem como a ideologia do multiculturalismo
relativista. A Igreja, como mãe misericordiosa, deve ser a primeira a se
interessar pela defesa dos direitos humanos. Deve estar atenta, porém, às
eventuais manipulações ou distorções prejudiciais à vida plena. A ética dos
direitos humanos exige que se garanta a vida plena em todas as dimensões da
pessoa e para todas as pessoas da sociedade.
Neste particular, cabe apoiar as iniciativas em
prol da inclusão social e o reconhecimento dos direitos das minorias, como os
povos originários, indígenas, comunidades tradicionais, afrodescendentes,
ciganos, pescadores, ribeirinhos, extrativistas, populações de rua e outros.
Como Igreja “advogada da justiça e dospobres”, cabe-nos
denunciar toda prática de discriminação e de racismo em suas diferentes
expressões e apoiarmos as reivindicações pela defesa, reconhecimento e
demarcação de seus territórios, na afirmação de seus direitos, sua cidadania,
seus projetos e de sua cultura. 118. Tarefa de grande importância é a formação de pensadores e pessoas que estejam em níveis de
decisão, evangelizando, com especial atenção e empenho, os “novos areópagos”:
a) um dos primeiros areópagos é o mundo universitário. Uma consistente pastoraluniversitária é necessária em todas as Igrejas
Particulares. Quanto mais nos empenharmos em conscientizar e capacitar os leigos, a partir de sua própria profissão, para o
diálogo fé e razão, estaremos animando a sua vocação no
mundo e, consequentemente, auxiliando na melhoria da sociedade;
b) outro urgente areópago é o mundo da comunicação. Tornam-se inadiáveis mais investimentos
tecnológicos e qualificação de pessoal, para o uso adequado dos meios de
comunicação; uma profética e abrangente pastoral da comunicação, garantindo a presença da
Igreja no diálogo com a mentalidade e a cultura contemporâneas, à luz dos
valores do Evangelho;
c) o terceiro areópago liga-se à presença pastoral junto aos empresários, aos políticos, aos
formadores de opinião no mundo do trabalho, dirigentes sindicais e líderes comunitários,
disponibilizando e formando pessoas que se dediquem a ser presença
significativa nestes meios.
Cabe também incentivar a Pastoral da Cultura, viva e
atuante, através de centros culturais católicos e de projetos que visem atingir
os núcleos de criação e difusão cultural e a diversidade das culturas de cunho
popular.
Num contexto cultural cada dia mais marcado pelo
ceticismo diante do conhecimento da verdade em si e impregnado por sinais
evidentes de irracionalidade, também midiática, a evangelização assume o
desafio de aproximar a fé e a razão, através do diálogo atento, atualizado e
corajoso com as pessoas de hoje.
Ressalte-se a importância do cuidado da vida no planeta, dilapidado tanto ética quanto
ecologicamente, pelo uso ganancioso e irresponsável dos recursos naturais.
Nestes tempos de crescente consciência ecológica, a Igreja no Brasil alerta
que, assim como os filhos e filhas de Deus sofrem desrespeito e ameaças, o
planeta inteiro se depara, como nunca, com o risco de degradação talvez
irreversível. exploração inescrupulosa e consequente devastação da Amazônia exige da Igreja no Brasil maior
responsabilidade por esta macrorregião. Requer-se dobrado e mais organizado
esforço e presença profética, valorizando as culturas
locais e estimulando uma evangelização inculturada. O papa insiste em uma
Igreja com “rosto amazônico” e quer “a formação de um clero autóctone”.
Importante campo de ação, hoje, é educar para
a preservação da natureza e o cuidado com a ecologia humana, através de atitudes que respeitem a
biodiversidade e de ações que zelem pelo meio-ambiente. Entre essas ações,
destaca-se a preservação da água, patrimônio da humanidade, evitando sua
privatização; do solo, combatendo o problema do lixo e da utilização de
agrotóxicos; e do ar, especialmente atentos à questão da emissão de gases poluentes. O esforço por maior
crescimento econômico deve ser orientado para o desenvolvimento sustentável.
Promova-se cada vez mais a participação social e política dos cristãos leigos e leigasnos
diversos níveis e instituições, por meio de formação permanente e ações
concretas. Com a crise da democracia representativa, cresce a importância da
colaboração da Igreja no fortalecimento da sociedade civil, na luta contra a
corrupção, bem como noserviço em prol da unidade e
fraternidade dos povos, em especial na América Latina e Caribe.
Como cidadãos cristãos, cabe generoso empenho para
que as comunidades e demais instituições e organizações católicas colaborem ou ajam em parceria com outras instituições
privadas ou públicas, com os movimentos populares e entidades da sociedade
civil, em favor da implantação e da execução de políticas públicas voltadas
para a defesa e a promoção da vida e do bem comum, segundo a Doutrina Social da
Igreja. Incentive-se, para tanto, a participação, ativa e consciente, nos
Conselhos de Direitos e o empenho generoso na busca de políticas públicas que
ofereçam as condições necessárias ao bem-estar de pessoas, famílias e povos.
A adesão ao Evangelho incentiva “todo o batizado a
ser instrumento de pacificação e testemunha credível duma vida reconciliada”. A
paz, fruto da justiça e do desenvolvimento integral de todos, pressupõe a
participação em campanhas que busquem efetivar, com gestos concretos, a convivência pacífica, em meio a uma sociedade marcada por
violência e banalização da vida.
Urge uma presença mais efetiva da Igreja,
especialmente através das pastorais sociais, nas periferias existenciais,
em regiões suburbanas e em situações de fratura social, tais como as favelas,
os cárceres, as remoções forçadas, os moradores de rua, as crianças,
adolescentes e jovens em situações de risco, a realidade da drogadicção, a
mulher marginalizada, e outras situações de sofrimento humano.
O empenho da comunidade de fé pela promoção humana e pela justiça social
exige amplo e decidido esforço para educar a comunidade eclesial no conhecimento e na aplicação da Doutrina Social da Igreja, como
decorrência da fé cristã. A ética social
cristã, contribuição da Igreja para a construção de uma sociedade justa e
solidária, precisa ocupar lugar de destaque em nossos processos de formação e
planos depastoral. Os documentos sociais do Magistério, o
Compêndio de Doutrina Social da Igreja e outras orientações oficiais são
referencial imprescindível para essa atuação.
ANEXO
CAPÍTULO V
INDICAÇÕES DE OPERACIONALIZAÇÃO
É preciso encontrar caminhos para
as urgências serem colocadas em prática. É por isso que, desde as Diretrizes anteriores,
tem-se dedicado um capítulo aos passos necessários para que cada Igreja local
transforme as grandes metas em realidade e, com isso, a evangelização avance
cada vez mais.
Nosso país apresenta uma variedade de contextos. As
Diretrizes são um farol a iluminar o caminhar da Igreja em todos eles. Cabe,
portanto, a cada realidade local, a começar pelos Regionais da CNBB e pelas
Dioceses, transformar as
Diretrizes em planos pastorais.
Planos são o conjunto de atividades articuladas entre si
para se chegar a um objetivo, no caso, o indicado pelas Diretrizes. Sem um
plano, os sonhos não conseguem tocar o chão da realidade.
As Diretrizes respondem à questão: aonde precisamos
chegar? Os planos respondem a outras questões: como (passos ou
etapas), quem (responsáveis), com o quê (recursos)
equando (prazos). É a partir da articulação entre estes
itens que surgem os planos. Sem respostas adequadas a estes itens, os planos
não saem do papel. A experiência eclesial aponta para a necessidade de alguns
passos de operacionalização dos planos.
O primeiro passo implica
a constituição dos organismos que vão diretamente trabalhar na elaboração do
plano de pastoral. Através de uma boa articulação, será
necessário não apenas constituir a comissão central
organizadora do plano, mas também diversos outros organismos que permitam
ampliar a participação. Por isso, já nos primeiros momentos de elaboração do
plano, é necessário pensar nos conselhos, nas comissões específicas e
principalmente nas assembleias.
O segundo passo é a
resposta a uma única pergunta: compreendemos realmente o que
as Diretrizes nos pedem? Esta questão é fundamental porque, se não
tivermos clareza de onde necessitamos chegar, como iremos planejar o
itinerário? Torna-se, portanto, indispensável gastar um tempo estudando as
Diretrizes, buscando compreender cada uma das urgências e os motivos pelos
quais elas foram escolhidas.
O terceiro passo consiste
em perceber até que ponto as Diretrizes anteriores foram realmente seguidas,
até que ponto o plano pastoral ainda
em vigor foi efetivamente cumprido. Realizamos o que foi planejado? Que motivos
nos permitiram chegar até onde chegamos? E que motivos nos impediram de chegar
até o planejado?
O quarto passo consiste
em identificar onde honestamente nos encontramos, tanto no âmbito eclesial
quanto no social. Como planejar um caminho se não possuímos efetiva clareza do
ponto em que estamos e do quanto é necessário ser percorrido para se chegar
aonde devemos? É preciso discernir os desafios locais dessas urgências.
O quinto passo consiste
na mobilização do maior número de pessoas. Se a alguns cabe a tarefa de
conduzir o processo de planejamento, a todos cabe a responsabilidade e a
alegria de contribuir. É preciso ouvir os mais diretamente engajados nas
atividades pastorais, os que frequentam nossas comunidades apenas aos domingos
ou em ocasiões específicas, os irmãos e irmãs que seguem Jesus Cristo em outras confissões cristãs e os que
buscam a Deus na sinceridade de seus corações. É preciso ouvir também os que
rejeitam a Cristo, pois, em seus argumentos, profundas interpelações e
intuições podem emergir.
O sexto passo exige a
tomada de algumas decisões que se referem ao modo como o plano vai se
desenvolver. A escolha do termo urgências não foi
sem motivo. Significa que, sem a concretização das mesmas, a ação
evangelizadora não se dará com a intensidade desejada. Diante da urgência,
decisões precisam ser tomadas, deixando de lado alguns hábitos e prioridades
importantes no passado, mas que, em nossos dias, não cumprem mais sua função.
O sétimo passo é
amplo e desafiador, pois é nele que se constroem os programas e os projetos. É
aqui que se responde às questões bem concretas de como, onde, quem, com quem, com o quê e quando. Não se trata apenas de organizar um calendário de
atividades, um cronograma de ações ou uma agenda, mas de discernir quais
atividades realmente ajudam a concretizar as Diretrizes e, se for o caso, quais
as que nem devem mais entrar no conjunto de atividades que comporão o próximo
plano. É preciso ter coragem para ousar, construir, realizar e largar.
Por fim, o oitavo passo envolve
o acompanhamento da execução do plano. Não há como construir um plano de pastoral e acreditar que, por si, ele seja forte o
suficiente para se fazer realizar. É indispensável estabelecer, no plano, os
instrumentos que acompanharão o seu cumprimento, fazendo contínua revisão e até
mesmo adequação dos rumos. Entre estes instrumentos, destacam-se as equipes e
as estruturas guardiãs do plano, em geral as coordenações diocesanas e locais,
com especial atenção para as assembleias periódicas onde, ouvindo-se
significativa representação do Povo de Deus, se verifica o cumprimento ou não
do que foi estabelecido no plano.
Planejar a pastoral não é
um processo meramente técnico. É uma ação carregada de sentido espiritual. Por
isto, todo processo precisa ser rezado, celebrado e transformado em louvor a
Deus.
CONCLUSÃO
As DGAE 2015-2019 são oferecidas como referencial
para o processo de planejamento pastoral das
Comissões Episcopais Pastorais e Regionais da CNBB, para as Dioceses e outros
organismos eclesiais. Respondendo aos desafios locais a partir das urgências e
perspectivas de ação, possa a Igreja no Brasil continuar dando o testemunho da comunhão na diversidade que
caracteriza a Igreja.
Confiamos à Mãe Aparecida o generoso esforço que
será feito para a aplicação destas Diretrizes, como também os frutos que delas
são esperados. Elas nos oferecem uma valiosa “chave de leitura para a missão da Igreja” no Brasil. Na fragilidade dos
meios que dispomos, a presença atuante do Espírito Santo nos
anima na missão evangelizadora, tornando possível a comunhão,
fazendo crescer a fé e multiplicando os frutos
de sua graça. A proximidade do terceiro centenário do encontro da imagem de
Nossa Senhora Aparecida, nos convida a “não desaprender” nem esquecer a lição e
a mensagem de Aparecida: “As redes da Igreja são frágeis, talvez remendadas; a
barca da Igreja não tem a força dos grandes transatlânticos que cruzam os
oceanos. E, no entanto, Deus quer se manifestar justamente através de nossos
meios, meios pobres, porque é sempre Ele quem
está agindo”. Nele nós confiamos! “Pela sua palavra” (Lc 5,5), lançaremos as
redes!